TESTOSTERONA: SÉRIE ESPECIAL – PARTE 1 – A ORIGEM DO ELIXIR DA VIDA

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Quando falamos das diferenças entre homens e mulheres, algumas são culturais e outras são, evidentemente, biológicas. Dentre as diferenças biológicas, praticamente todas estão relacionadas a uma substância em comum: a Testosterona.

A testosterona é necessária para o crescimento normal, para o desenvolvimento e funcionamento dos órgãos sexuais masculinos e desenvolvimento das características sexuais masculinas secundárias. Ela atua promovendo o crescimento de pelos no corpo, o fortalecimento dos ossos e músculos e estimulando a produção dos glóbulos vermelhos do sangue, além de tornar a voz masculina mais grave.

Eventualmente, seus níveis de testosterona podem baixar – e os sintomas são bem perceptíveis. Responda o seguinte:

  • Você sente que a sua libido não anda essas coisas?
  • A disfunção erétil se tornou real?
  • Você andou ganhando alguns quilos e tem sido mais difícil eliminá-los?
  • Existe um cansaço físico e mental que não larga do seu pé?
  • Você passa o dia se sentindo desanimado, à deriva, sem vontade para o mundo?
  • Você gostaria de se sentir mais homem, na propriedade da palavra?

Todas estas manifestações podem estar relacionadas à redução dos níveis de testosterona no seu organismo. É óbvio que podem existir outras causas – como veremos a seguir – e que a testosterona não é a cura de todos os males, mas ela pode ser a saída para uma saúde mais forte e aquele senso de bem estar mais vigoroso que você anda sentindo falta.

AS EXPERIÊNCIAS MALUCAS DE SÉQUARD

 O neurologista e fisiologista britânico Charles-Édouard Brown-Séquard era, sem dúvida alguma, um sujeito peculiar. Filho de pai americano e mãe francesa, Charles nasceu nas ilhas Maurício em 8 de abril de 1817. Em 1839, mudou-se para a França para estudar, formando-se em medicina aos 29 anos.

Da graduação em diante, Séquard não parou mais de se envolver com experimentações, investigando desde os componentes do sangue até a capacidade dos animais em produzir calor, a coluna vertebral e suas doenças, e os músculos, os nervos e os gânglios do corpo. Praticou medicina nos principais centros de ciência de sua época (Cambridge, Boston, Paris e Londres), deixando atrás de si um rastro de ideias originais e excentricidades.

Séquard seguia uma filosofia: perseguir a verdade a qualquer custo, ainda que isso custasse para a si mesmo. Investido deste pensamento, chegou a engolir algumas esponjas amarradas a um cordão para recolher e estudar amostras de seu próprio suco gástrico em 1844.

Séquard foi o primeiro a defender a existência de substâncias secretadas na corrente sanguínea para agir em órgãos distantes: em 1856, ele demonstrou que a remoção das glândulas suprarrenais resultava em morte por falta dessas substâncias – às quais hoje damos o nome de Hormônios.

Das centenas de textos que escreveu e publicou, Séquard produziu excelentes trabalhos sobre um tipo de lesão na medula espinhal que terminou levando seu nome (Síndrome de Brown-Séquard).

Em suas andanças, ao observar indivíduos eunucos, Charles escreveu: “Parece desnecessário descrever a extensão dos feitos produzidos pela castração, especialmente quando é realizada antes da idade adulta: os eunucos caracterizam-se por um estado de debilidade geral, baixa disposição intelectual e reduzida aptidão física”.

Séquard correlacionou a ausência do “fluido espermático” ao declínio físico-mental e teorizou que a ausência de vitalidade na velhice poderia decorrer da perda de alguma substância misteriosa produzida nos testículos. E foi em busca de respostas.

Em julho de 1889, em uma seriíssima reunião da Sociedade de Biologia de Paris, Séquard apresentou suas conclusões – que posteriormente foram publicadas na edição da revista médica Lancet em 20 de julho do mesmo ano, sob o título “The effects produced on man by subcutaneous injection of a liquid obtained from the testicles of animals”.

Na pesquisa, o cientista descrevia os efeitos de injeções de um extrato produzido a partir de testículos de cães e porcos da índia. Após estudos com animais, Séquard decidiu aplicar o extrato em si mesmo – e descreveu os efeitos. Nas palavras do próprio Charles-Édouard, publicadas no exemplar da revista The Lancet em 20 de julho de 1889:

“Eu tenho 72 anos de idade. Minha força, que já foi considerável, diminuiu gradual e notavelmente nos últimos dez ou doze anos. Antes de 15 de maio de 1869, me encontrava tão fraco que me sentia quase sempre compelido a permanecer sentado após uma hora de trabalho no laboratório. Mesmo quando permanecia sentado a maior parte do tempo, me sentia exausto após três ou quatro horas de trabalho.

Durante muitos anos, após passar várias horas trabalhando no laboratório e retornar para casa por volta das seis horas da tarde, estava tão cansado que invariavelmente tinha que ir para cama e deitar. Não raramente, a exaustão era tão intensa que não conseguia dormir por horas e, quando dormia, acordava no dia seguinte ainda com uma sensação de extrema fadiga.

No dia após a primeira injeção, e ainda mais após as duas injeções seguintes, observei uma mudança radical em mim, e tenho fortes motivos para acreditar e registrar que recuperei boa parte da força que possuía quando era mais jovem. Para surpresa de meus assistentes, Drs. D’Arsonval e Henocque, e outras pessoas, passei a ser capaz de realizar experimentos por várias horas mesmo de pé, sem qualquer necessidade de sentar-me durante o período. Ainda mais: em um determinado dia (23 de maio), após mais de três horas de trabalho de pé, fui para casa tão descansado que, terminado o jantar, consegui trabalhar e escrever por mais de uma hora sobre um tema bastante difícil. Não recordava de ter sentido tanta energia nos doze anos anteriores.

Minhas pernas foram testadas em um dinamômetro uma semana antes e ao longo de um mês após a aplicação da primeira injeção, e observamos um ganho indiscutível de força. O peso médio suportado pelos músculos flexores do meu braço direito subiu de 6 para 7 kg em um mês”.

Com relação às suas faculdades mentais, Séquard registrou:

“Minha facilidade para o trabalho intelectual vinha diminuindo claramente nos últimos anos. Após dois ou três dias do início dos experimentos, observei uma recuperação dessa facilidade. Isto deixou óbvio que nossas capacidades intelectuais dependem da ação das substâncias do extrato sobre o funcionamento do sistema nervoso central.

Fiz a última aplicação no começo de junho deste ano, há cerca de cinco semanas e meia, e interrompi o uso para ver por quanto tempo durariam os efeitos. Durante 4 semanas, não percebi qualquer mudança, mas a partir daí observei um retorno ao estado de fraqueza geral que sentia antes do começo deste tratamento. Esta perda de força é uma excelente contraprova quanto à influência exercida em mim pelas injeções subcutâneas do extrato”.

É óbvio que os experimentos de Séquard foram recebidos com enorme ceticismo pela comunidade científica. Algo similar acontecera quando Joseph Lister e Louis Pasteur haviam teorizado sobre uma Teoria Microbiana das Doenças. Apenas em 1882, quando o bacteriologista Robert Koch finalmente descreveu um bacilo como causador da tuberculose, a Teoria Microbiana foi sedimentada. Koch tinha 38 anos de idade e aquela reunião da Sociedade Imperial de Saúde Pública de Berlim entraria para a história como um dos grandes eventos da ciência.

O procedimento de Séquard e seu Elixir da Vida foram questionados por diversas autoridades. Allen McLane Hamilton, prestigiado fundador da Sociedade de Psiquiatria de Nova Iorque, escreveu: “A teoria (de Séquard) se opõe a todas as leis de fisiologia e química que conhecemos. Mais que isso: consiste em um procedimento perigoso e que deveria ser desestimulado por qualquer médico sério devido ao risco de envenenamento e morte”.

Em virtude dos ataques, e rotulado como “o delírio de um alquimista”, o elixir de Séquard gradativamente caiu em descrédito e então em completo esquecimento. Apenas no final da década de 1920 – quase 30 anos após os estudos de Séquard – o interesse sobre a substância reacendeu.

Em 1927, Fred C. Koch, professor de Fisiologia da Universidade de Chicago – e sem parentesco direto com o Koch do bacilo da tuberculose –, voltou a isolar o elixir de Séquard a partir de testículos bovinos e realizou pesquisas com animais castrados, ressuscitando a hipótese de Séquard sobre os eunucos.

Em 1934, um grupo da Universidade de Amsterdam desenvolveu uma técnica para purificar o extrato. A equipe, comandada por Ernest Laqueur, deu à substância o nome de Testosterona (uma junção dos nomes testículo e esterol).

Finalmente, em 1935, grupos separados de cientistas liderados pelo bioquímico alemão Adolf Buttenandt e pelo croata Leopold Ruzicka mostraram que era possível sintetizar testosterona a partir de moléculas de colesterol – uma descoberta que valeria a Buttenandt e Ruzicka o Nobel de química em 1939 e iniciaria a Era Dourada dos Esteróides.

A história da descoberta, síntese e introdução da testosterona entre os recursos terapêuticos da medicina é um exemplo incrível de curiosidade humana, ingenuidade e ceticismo.

Até hoje, muitos pesquisadores creditam os relatos envolvendo o Elixir da Vida de Séquard a um efeito placebo. Certo ou não, o fato é que Charles-Édouard Brown-Séquard foi um dos primeiros a perceber tanto o potencial quanto o preconceito absurdo que acompanharia o uso medicinal dessa substância: quase 150 anos após seus experimentos, a testosterona segue sendo um tabu.

A LINHA DE PRODUÇÃO DA MASCULINIDADE

Desde o Nobel de Buttenandt e Ruzicka, a testosterona é considerada o principal hormônio sexual masculino. Mas de onde ela vem?

Como qualquer outro hormônio esteroide, a testosterona deriva do colesterol. Suas suprarrenais podem produzir colesterol a partir de Acetato, mas a maior parte do suprimento de colesterol do seu corpo vem das lipoproteínas de baixa densidade (também conhecidas como LDL) derivadas do colesterol presente na sua dieta.

Uma vez dentro do sistema, a molécula de colesterol passa por um processo chamado Esteroidogênese. A maioria dos livros aborda a esteroidogênese a partir da glândula onde o processo ocorre, mas ele se trata na verdade de um mesmo mecanismo que se repete em glândulas diferentes. As variações no tema dependem apenas do tipo celular predominante no local, mas a partitura é essencialmente a mesma.

Quando falamos da produção de testosterona, iniciamos nossa viagem pela esteroidogênese a partir do momento em que operários no setor de clivagem oxidativa tiram 6 átomos de carbono do colesterol e o transformam em pregnenolona. Esta etapa é feita pela citocromo P450scc (CYP11A1), ocorrendo principalmente na zona reticulada e na zona fasciculada do córtex das glândulas suprarrenais e, em menor intensidade, no fígado, na pele, no cérebro, nos testículos, nos ovários e na retina.

Uma curiosidade: as enzimas esteroidogênicas podem ser classificadas em dois grupos: as enzimas citocromo P450 – que podem ser tipo 1 (localizadas nas mitocondriais) ou tipo 2 (localizadas no retículo endoplasmático) – e as hidroxiesteroides desidrogenases – ou HSD, que podem ser da família alto-ceto redutases ou redutases/desidrogenases de cadeia curta.

O termo genérico citocromo P450 se refere a um grupo de enzimas oxidativas que possuem cada uma cerca de 500 aminoácidos e um grupo heme solitário em sua constituição. Elas são denominadas P450 (pigmento 450) porque, quando colocadas em seu estado reduzido com monóxido de carbono, todas absorvem maximamente a luz de 450 nm. O genoma humano possui instruções para 57 diferentes citocromos P450 e estes genes são formalmente chamados de CYP. Apenas seis citocromos P450 participam da Esteroidogênese.

Enquanto a maioria das reações esteroidogênicas catalisadas pelas enzimas P450 envolvem a ação de uma única forma de P450, as reações catalisadas pelas HSD frequentemente envolvem pelo menos duas – ou mais – isoenzimas diferentes. As HSDs incluem as 3-alfa-HSD e 3-beta-HSD, a 11-beta-HSD e uma série de 17-beta-HSD.

Tanto as citocromo P450 quanto as HSD são consideradas enzimas de mão-única: suas reações são mecânica e fisiologicamente irreversíveis.Mas vamos voltar ao rastro de sua Pregnenolona:

Pois bem. Uma vez fabricada pela P450cc, a pregnenolona pode ser levada até a bancada da citocromo P450c17 (que a converterá em 17-alfa-hidroxipregnenolona) ou até a bancada da 3-beta-HSD (que converterá pregnenolona em progesterona, o primeiro esteroide biologicamente importante desta linha de produção).

Nos testículos, a oxidação da pregnenolona pela 3-beta-HSD produz Androstenediona. Na última etapa de montagem, a Androstenediona é reduzida pela ação da 17-beta-HSD presente nas células de Leydig, virando finalmente a tão esperada Testosterona.

O EIXO REGULADOR

O conjunto dos agentes que atuam organizando a produção de testosterona é chamado de Eixo Hipotalâmico-Hipofisário-Testicular (HHT).

A síntese e a liberação de testosterona podem ocorrer nos testículos, mas são reguladas do alto por uma diretoria. A gerência é representada pelos hormônios folículo-estimulante (FSH) e luteinizante (LH), produzidos pela hipófise. Estas substâncias, por sua vez, obedecem às ordens enviadas pela presidência da empresa, O Hipotálamo,que as comanda por meio do hormônio liberador de gonadotrofinas (gonadotropin-releasing hormone ou GnRH).

Quando os níveis de testosterona estão baixos, o hipotálamo libera GnRH, que por sua vez estimula a hipófise a liberar FSH e LH.

Quando os níveis de testosterona sobem, o recado volta para o Hipotálamo e para a Hipófise, e ambos diminuem a liberação de GnRH e FSH/LH, respectivamente.

O SHOW NÃO PODE PARAR

Os testículos normais possuem duas funções primordiais: síntese e excreção de hormônios androgênicos a partir das células de Leydig – especialmente testosterona (6 mg/dia), di-hidrotestosterona (DHT) e androstenediona – e produção de espermatozoides nos túbulos seminíferos. Como você viu, cerca de 95% da produção de testosterona no corpo de um homem ocorre nos testículos.

Uma vez produzida e liberada, a testosterona circula pelo corpo em duas formas: livre e associada. A forma associada encontra-se fracamente presa à albumina (que, junto com a testosterona livre constitui o que se chama de testosterona biodisponível e representa 20-50% do total de testosterona em seu corpo) ou fortemente presa à globulina de ligação de hormônios sexuais (sex hormone—binding globulin ou SHBG). A SHBG atua como uma reserva hormonal e corresponde a 50-80% da testosterona em seu organismo.

Apenas aproximadamente 2% da testosterona circulante é considerada livre e apta para entrar nas células, onde será convertida em 5α-di-hidrotestosterona (ou DHT) pela 5-alfa-redutase ou aromatizada em estradiol (E2) nos tecidos periféricos.

Basicamente, é a DHT quem responde por quase toda a mágica da testosterona. Sem produção de DHT, sua testosterona é capaz de fazer pouca coisa. A DHT é cerca de 30 vezes mais potente que a testosterona devido à sua afinidade aumentada pelo receptor de andrógenos, sendo produzida principalmente na próstata, nos testículos, nos folículos capilares e nas suprarrenais. Os níveis circulantes de DHT correspondem a 10% dos níveis de testosterona.

Finalmente, cerca de 0,3% da testosterona que você produz é convertida em estradiol pela aromatase presente principalmente no tecido gorduroso, nos ossos e no cérebro.

Os eventuais excessos circulantes de testosterona que não são convertidos em DHT ou estradiol terminal sendo metabolizados no fígado. Após digestão pelas enzimas hepáticas, estes dejetos são excretados pela bile ou liberados na circulação sanguínea para serem filtrados pelos rins e eliminados pela urina.

 


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