VOCÊ VERSUS “ELES”: ATINJA SEUS OBJETIVOS CRIANDO UM INIMIGO IMAGINÁRIO

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No livro A Guerra da Arte, o escritor e autor de peças teatrais americano Steven Pressfield investiga a psicologia da criação das artes e como o “impedimento dos escritores” pode ser curado. Em seu raciocínio, ele usa a figura entidade – que ele chama de “Resistência” – para descrever as forças que conspiram contra seu ímpeto criativo.

“A maioria de nós”, escreve Pressfield, “leva duas vidas: a vida que vivemos fora de nós e a vida que não vivemos dentro de nós. Posicionada entre ambas, encontra-se a Resistência, cujo único trabalho é realizar atentados contra você mesmo”.

O conceito de Resistência de Pressfield não é inédito, tampouco novo. É um paralelo á concepção de autossabotagem, mas vai além: apesar de ser uma neurose comum, a prática de imaginar um vilão – ou vilões – conspirando contra seu sucesso pode ser empregada ao seu favor.

Obviamente, seu “vilão particular” não existe – ele é um produto de sua mente. Ninguém está interessado em dedicar dias puxando seu tapete, por mais sedutora que esta alucinação narcisista lhe pareça. Não existe uma sociedade secreta conspirando para tornar sua vida um inferno. Esse trabalho é você mesmo quem faz, sozinho – ainda que tente de todas as maneiras colocar a culpa em alguém. Todavia, ao construir a figura de um vilão imaginário, este veneno pode ser o próprio antídoto para ele: o inimigo de faz-de-conta pode se tornar o alvo onde você posicionará a mira dos seus esforços.

A ANATOMIA E O BATISMO DE UM BODE

Para que este bode expiatório funcione, é importante não culpar algo ou alguém muito específico. Se você fizer isso, estará transferindo suas responsabilidades e se eximindo da necessidade de agir. Portanto, busque pelas causas subjacentes aos comportamentos que você gostaria de mudar. Procure com coragem, não seja piedoso ou indulgente consigo mesmo. Enfie o dedo profundamente na ferida.

Talvez você não desperdice seu tempo livre comendo porcarias e vendo vídeos inúteis no YouTube apenas porque essas são coisas que você gosta de consumir. Talvez esteja agindo assim porque existe algo consumindo você por dentro. Talvez o verdadeiro motivo para seu celular atrapalhar suas conversas e interromper seu trabalho não seja o fato de você ser viciado em celular, mas ser viciado em fugas.

Uma vez que você tenha identificando comportamentos de autodefesa e dissecado as entranhas de seu bode, o desafio seguinte é implementar uma mudança. Isso pode ser complicado quando você acredita que o que está lhe acontecendo está além do seu controle. Nestas situações, é fácil sentir-se impotente e desistir de tudo. Entretanto, se existe um bode-expiatório, aproveite para utilizá-lo como uma vantagem estratégica: direcione sua raiva e suas ansiedades para este ser abstrato. Tornando mais tangíveis as forças contrárias à sua vontade, você se sentirá mais fortalecido para enfrentá-las.

Que tal nomear os bancos como um bode expiatório e lutar contra o sistema eliminando todas as suas dívidas e não fazendo novas?

Ou rebelar-se contra a tirania dos planos de saúde levando uma vida mais saudável como uma forma de ativismo pessoal?

Ou então chamar o mercado de trabalho usual de bode expiatório, recusando ser apenas mais uma peça na engrenagem, e tirar dessa fúria a energia necessária para sair da inércia e iniciar seu próprio negócio?

QUEM TEM A FORÇA?

Existe uma forte conexão entre como você enxerga sua capacidade de ação e o modo como você termina agindo. Por exemplo: para determinar como conduzir pacientes em tratamento para dependência química, alguns pesquisadores americanos costumam aplicar uma ferramenta padrão chamada CBQ (Craving Beliefs Questionnaire, ou Questionário de Crenças de Dependência).

No CBQ, os participantes se deparam com frases como “Não tenho controle sobre meu comportamento” ou “O vício é maior que minha força de vontade”, e devem dar pontos para a veracidade dessas declarações. As somatórias desses pontos oferecem aos pesquisadores uma idéia do poder ou da sensação de impotência do indivíduo quando colocado cara a cara com sua tentação favorita.

Pontuações menores no CBQ revelam que o paciente acredita ter um controle maior sobre suas ações, ao passo que pontuações maiores correlacionam-se com pessoas que acreditam ser controladas por seus vícios.

Um estudo realizado com usuários de metanfetamina e publicado no Journal of Substance Abuse Treatment concluiu que pessoas com escores menores no CBQ apresentavam uma maior probabilidade de se manterem sóbrias, e aqueles participantes cujos escores diminuíam ao longo do acompanhamento – indicando que eles se sentiam mais empoderados com o passar do tempo – apresentaram maiores índices de abstinência.

Uma outra pesquisa realizada com tabagistas encontrou resultados similares: os fumantes com maior probabilidade de recorrer no vício eram aqueles que se diziam “sem forças para resistir”.

Apesar da lógica não ser surpreendente – se acreditamos sermos impotentes, então nem sequer tentamos não falhar -, a extensão desses efeitos é impressionante. Um estudo publicado no Journal of Studies on Alcohol and Drugs descobriu que indivíduos que se achavam impotentes diante de sua dependência química apresentavam uma chance maior de reincidência. A bem da verdade, a crença mental na própria impotência diante do desafio mostrou-se um fator determinante para o relapso tão importante quanto o nível da dependência física em si.

REBELDE COM UMA BOA CAUSA

Além de ser capaz de lhe tornar mais forte, a técnica do bode expiatório pode incitar seus instintos a lutar e resistir às ameaças à sua liberdade e autonomia – um fenômeno que os psicólogos chamam de Reatância.

Por exemplo: quando seu chefe exige que você realize uma determinada tarefa, especificando-a com alto grau de exigência nos mínimos detalhes, você pode se sentir tentado a fazer tudo de modo invertido só para espetá-lo. Isso é Reatância.

A estratégia do bode expiatório utiliza o poder da reatância psicológica para fins produtivos: quando sente que alguém está conspirando contra você, é mais provável reunir todas suas forças para assumir o controle e mostrar quem é que manda no pedaço no final das contas.

Tudo bem, na verdade aquela encenação toda não passa de uma competição de você contra você mesmo. Mas, na eventualidade de não querer assumir isso, providenciar um “inimigo externo” contra quem guerrear pode ser a diferença entre o desânimo da derrota antecipada e a tenacidade da grande vitória por vir.

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