VOCÊ ACREDITA EM COACHING E PROGRAMAÇÃO NEURO-LINGUÍSTICA?

0
1181

Perfil no Twitter @AlessandroLoio2 

_____

 

Na década de 1970, o psicólogo Richard Bandler e o linguista John Grinder pegaram alguns conceitos da gramática transformacional de Noam Chomsky e inventaram um Frankenstein que batizaram de Programação Neuro-Linguística (PNL).

Graças à disseminação dos livros de autoajuda durante a epidemia Yuppie da década de 1980, a PNL ganhou o grande público e atraiu a atenção de inúmeros pesquisadores, fazendo a fama de sujeitos como Lair Ribeiro e a fortuna de outros como Tony Robbins.

Utilizando jargões de Neurologia, Psicologia, Filosofia e Linguística para impressionar a audiência, a PNL se dizia capaz de resolver problemas em áreas tão diversas quanto transtornos psicológicos, eficiência corporativa, baixa autoestima, fracasso financeiro e insucessos amorosos.

A ausência de fundamentação empírica e os argumentos cada vez mais fantásticos e miraculosos levaram a PNL a ser rotulada de pseudociência e relegada a um progressivo descrédito a partir da segunda metade dos anos 1990.

Miraculosamente, na segunda metade do século XXI, como um surto periódico de uma doença infecciosa, a PNL ressurgiu das cinzas feito uma fênix em um ritual xamânico e reencarnou na forma de uma nova entidade que os herdeiros do Oráculo de Delfos batizaram de Coaching.

O nome pode ter mudado, mas a intenção é a mesma: utilizar palavras vibrantes para vender “resultados” práticos e rápidos para quem acredita que Força, Honra, Coragem, Resiliência, Disciplina e Sabedoria podem ser adquiridos como latas de conservas e pacotes de macarrão instantâneo em um hipermercado especializado em Caráter.

O que está por trás do moderno Coaching é a boa velha PNL, mesclando seu apelo Orwelliano no uso do termo “programação” e um senso de Mérito capitalista ao se pronunciar “Coach”.

A mistura certamente é empolgante. As evidências que suportam suas alegações, nem tanto.

A afirmação da dupla PNL & Coach de que podemos resolver nossos próprios problemas, especialmente se eles forem de ordem cognitiva, é correta. Na Psicologia, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) vem trabalhando neste campo desde os trabalhos pioneiros do psiquiatra norte-americano Aaron Temkin Beck, autor de “Cognitive Therapy and the Emotional Disorders” (1975) e “Cognitive Therapy in Clinical Practice: An Illustrative Casebook” (1989), entre vários outros livros e artigos científicos.

Desde o surgimento da TCC, mais de 1.000 estudos demonstraram sua eficácia no tratamento de transtornos psiquiátricos, problemas psicológicos e desordens médicas com componente psiquiátrico associado. A TCC se mostrou comprovadamente eficaz no tratamento da depressão, da distimia, de transtornos da ansiedade, bulimia, da síndrome pós-traumática, do estresse, da síndrome da fadiga crônica e da síndrome do pânico, e estes resultados foram validados por centenas de estudos randomizados, revisões sistemáticas e meta-análises. (1,2,3,4)

Dito isto, tentar fazer um paralelo entre os Coaches de PNL e a Psicoterapia por TCC é no mínimo desonesto: mesmo após 4 décadas de PNL, os estudos científicos não foram capazes de encontrar evidências sólidas de que a Programação Neurolinguística seja útil em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático, transtorno da ansiedade generalizada ou depressão. Tampouco existem diretrizes clínicas apoiando o uso da PNL para tratamento de indivíduos com estes problemas ou obesidade, pressão alta, claustrofobia, abuso de álcool ou drogas, notas baixas na escola ou diminuição da libido.(4,5)

O dueto PNL & Coach não está sujeito ao mesmo padrão de rigor científico que a TCC ou os protocolos de tratamento médico neurológico. As evidências que arrolam são anedóticas para dizer o mínimo, e aquelas que apontam os efeitos positivos da PNL em geral têm origem em instituições e publicações que oferecem cursos e produtos na área, tornando complicado descartar o viés de financiamento de conclusões. As evidências científicas confirmando a eficácia das abordagens de PNL / Coach simplesmente não existem. (6)

Ainda assim, estima-se que esta “indústria” tenha mais de 41 mil profissionais atuantes no mundo todo, movimentando cerca de 2 bilhões de dólares por ano.(7)

Em um planeta que já se deslumbrou com as fadas de Elsie Wright e Frances Griffiths, pagou para ver as assombrações de papel amassado de Marthe Béraud, deu audiência para especiais de TV com Uri Geller, acompanhou documentários sobre Thomas Green Morton, comprou curas milagrosas de Peter Popoff e bebeu garrafadas mágicas de João de Deus, a conclusão da nova epidemia de Coaching PNL é que, passados 12 mil anos da Revolução Neolítica, se existe uma maldição assombrando o Homo sapiens, ela certamente atende pelo nome de Credulidade.

___________
Fontes:

1. Driessen E, Hollon SD. Cognitive Behavioral Therapy for Mood Disorders: Efficacy, Moderators and Mediators. Psychiatr Clin North Am. 2010 Sep; 33(3): 537–555. – Acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2933381/

2. Linden M, Zubraegel D, Baer T, Franke U, Schlattmann P. Efficacy of cognitive behaviour therapy in generalized anxiety disorders. Results of a controlled clinical trial (Berlin CBT-GAD Study). Psychother Psychosom. 2005;74(1):36-42. – Acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15627855

3. Hofmann SG et al. The Efficacy of Cognitive Behavioral Therapy: A Review of Meta-analyses. Cognit Ther Res. 2012 Oct 1; 36(5): 427–440. – Acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3584580/

4. Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. Neuro-Linguistic Programming for the Treatment of Adults with Post-Traumatic Stress Disorder, General Anxiety Disorder, or Depression: A Review of Clinical Effectiveness and Guidelines. – Acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25473689

5. Sturt J et al. Neurolinguistic programming: a systematic review of the effects on health outcomes. Br J Gen Pract. 2012 Nov; 62(604): e757–e764. – Acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3481516/

6. Ammentorp J et al. Can life coaching improve health outcomes? – A systematic review of intervention studies. BMC Health Serv Res. 2013; 13: 428. – Acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4015179/

7. https://www.success.com/inside-the-coaching-industry/

Deixe uma resposta