UMA FÁBULA SOBRE PATRIOTAS, A CONSTRUÇÃO CIVIL E O DESENVOLVIMENTO DE UM PAÍS

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A dificuldade de se fazer negócios no Brasil seria uma piada se não fosse uma tragédia: em um ranking elaborado pelo Banco Mundial envolvendo 190 países, o Brasil ocupa a 109ª posição.

Sim, o ambiente de negócios no Brasil é horroroso e explica bem porque temos enfrentado tantas retrações da economia e um aumento assustador das taxas de desemprego – que agora alcança 13,7 milhões de brasileiros, o equivalente a quase 60% da população da Austrália.

O que fazer para retomar o crescimento? Uma saída rápida e eficaz está no setor da Construção Civil.

A Construção Civil movimenta 6,2% do PIB do país e pode ser considerada um “termômetro da economia”: se ela está bem, o Brasil está bem. Por exemplo: em 2010, quando o PIB do Brasil teve aumento de 7,5%, o PIB da Construção Civil cresceu 13,1%. Em 2014, último ano em que o PIB brasileiro registrou variação positiva (0,5%), o PIB da Construção Civil ficou em -2,1%, conforme dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.

Esta associação não surpreende: a Construção Civil emprega uma cadeia gigantesca de trabalhadores, produtores e fornecedores de insumos diretos e indiretos. No Brasil, existem 176 mil estabelecimentos envolvidos diretamente nesta atividade, o que representa 34% do total da indústria. Em termos de emprego, o segmento gera 24% do total de postos de trabalho no país e apresenta o maior potencial encadeador do setor na economia.

Junte-se a isto um levantamento feito pelo Secovi-SP em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) que estimou que, entre 2015 e 2025, o Brasil precisa construir 14,5 milhões de novos domicílios para suprir o déficit por moradia, e voilá: temos uma excelente candidata para puxar a retomada do crescimento nacional.

E como colocar a locomotiva da Construção Civil para rodar? Simples: tirando o Estado de lá.

Como um câncer e sua metástase, o Estado e o Governo sugam a energia empreendedora da Construção Civil com uma montanha inacreditável de burocracias e impedimentos.

Duvida?

Vamos lá: suponha que você deseja comprar um terreno e finalmente construir sua tão sonhada casa.

A PELEJA DO TERRENO

Antes de se empolgar com um terreno, você deverá conferir se aquela área anunciada com uma plaquinha perto da calçada realmente está disponível: principalmente em cidades grandes, não é incomum estar tramitando, nas esferas municipal, estadual ou mesmo federal, projetos que impliquem na desapropriação parcial ou total de áreas no futuro.

Certificando-se de que nenhuma esfera do Estado esteja trabalhando na surdina para transformar seu terreno recém-comprado e uma briga judicial de 5 séculos que resultará na desapropriação para construção de um bebedouro para pássaros, você pode colocar a mão no bolso e pagar pela aquisição da terra.

Mas espere!

Quando comprar o terreno, você terá que pagar a transferência de titularidade da terra. Este imposto se chama ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), e em geral equivale a 2-3% sobre o valor do terreno.

Recolhido o ITBI, será necessário arcar com a Escritura, cuja elaboração e registro corresponderão a outros 2-3% sobre o valor do terreno. Além do ITBI e da Elaboração e Registro da Escritura, ainda incidirão custos para outras certidões – como IPTU – e talvez custos com advogados.

Mas, ora: você um patriota! E quer colaborar com o aquecimento da economia e movimentar a Construção Civil. Então você paga todas estas taxas e finalmente coloca as mãos na papelada do terreno. Meus Parabéns! Hora de começar a construir!

A BATALHA DA EDIFICAÇÃO DOS MIL TIJOLOS

Porém, veja só…: antes de pegar o primeiro tijolo, você precisa consultar o Código de Edificações do seu Município. Este Código define:

– O número de pavimentos e ocupantes permitidos.

– A taxa específica de Uso e Ocupação do Solo (o percentual em relação à área total que pode ser ocupado pela projeção da construção sobre o terreno).

– O coeficiente de aproveitamento (índice que estabelece a relação entre o total de área construída e a área do terreno).

– O Gabarito (que corresponde à limitação efetiva do tamanho da construção).

– Os recuos (que algumas vezes podem ser maiores que os previstos em lei).

Tomando ciência destes nós burocráticos, você deve procurar uma firma para assumir o projeto e a construção: a legislação brasileira determina que toda construção ou reforma deve ser acompanhada por um Responsável Técnico (Engenheiro Civil ou Arquiteto).

Caberá a você e ao Responsável Técnico apresentar à Prefeitura alguns documentos que autorizarão o início da obra, tais como:

– Escritura e IPTU;

– Memorial descritivo especificando os materiais que serão utilizados, em duas vias (assinadas pelo autor do projeto e pelo proprietário);

– Peças gráficas (plantas, implantação, cortes, fachada principal, tabela de iluminação e ventilação com carimbo próprio da prefeitura, assinadas pelo autor do projeto, pelo responsável pela obra e pelo proprietário);

– Levantamento planialtimétrico em duas vias (elaborado por profissional habilitado ou pelo próprio arquiteto);

– Vias da taxa recolhida para o CREA, com base no valor cobrado pelo arquiteto e na metragem quadrada, sem a qual a prefeitura não libera o Alvará de Construção;

– Cópia do recibo atualizado dos profissionais envolvidos e cadastrado na prefeitura;

– Cópia da carteira do CREA dos profissionais;

– Comprovante de pagamento das taxas e emolumentos exigidos pela prefeitura (que variam de cidade para cidade) referentes ao andamento do processo a ser instaurado.

Caso o setor municipal responsável pela liberação do Alvará de Construção encontre alguma irregularidade, ele emitirá um Comunique-se – comunicado oficial do problema encontrado e um prazo para que este seja sanado.

Via de regra, as Prefeituras exigem que os canteiros de obra sejam cercados por tapumes, dão um prazo para seu cumprimento e cobram uma taxa para sua execução.

Todos os profissionais que trabalharão na obra (à exceção dos autônomos) precisam ser registrados de acordo com as normas no Ministério do Trabalho, pagando a Guia de Recolhimento da Previdência Social. Em um quadro de avisos, em local visível, devem estar os nomes dos empregados, horários de entrada e saída e horário de funcionamento da obra.

Na obra, ficará também uma cópia da planta aprovada e o Alvará de Construção. De acordo com a legislação, deve haver um banheiro, mesmo que os empregados não durmam no alojamento. A obra ainda deverá ter ligação de água e luz e a placa do autor do projeto e do responsável técnico em lugar visível: se um fiscal do CREA não a localizar, você pode receber uma multa com base em lei federal.

Dependendo da situação do terreno, são estipulados horários para carga e descarga, da entrega do material de construção aos bota-foras de terra. E todos estes procedimentos serão fiscalizados continuamente pela prefeitura.

Mas você é um patriota! Você quer colaborar com o aquecimento da economia e movimentar a Construção Civil! Então você paga todas as taxas, contorna os obstáculos colocados pelo Estado e começa a comprar o material para iniciar sua tão sonhada obra.

Caso seja necessário aterrar um pouco o local, impostos incidirão sobre a compra de terra, entulho, transporte e serviços de compactação, e outros impostos incidirão sobre o material e os serviços contratados para realizar fundações, radiers, submuramentos, paredes, tirantes, etc.

Para você ter uma ideia, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, com base na carga tributária do Estado de São Paulo:

– Para cada 1000 tijolos que você comprar, 340 serão do Estado.

– Para cada 10 sacos de cimento que você comprar, 3 serão do Estado.

– Para cada 10 latas de tinta que você comprar, 3 serão do Estado.

– Para cada 10 ladrilhos de cerâmica que você comprar, 3 serão do Estado.

– Para cada 10 pincéis que você comprar, 3 serão do Estado.

– Para cada 10 tubos de PVC você comprar, 2 serão do Estado.

– Para cada 10 latas de argamassa que você comprar, 1 será do Estado.

– Para cada 10 blocos de concreto que você comprar, 1 será do Estado.

Enfim, para cada produto que você adquirir para construção, cerca de 20% (em média) corresponderão a impostos cobrados pelo Estado (Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços, etc.).

Durante a contratação dos serviços para sua obra, é obrigatória a retenção das contribuições sociais PIS, COFINS, CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e do Imposto de Renda – que serão pagas diretamente por você ou serão cobradas de você pela empreiteira que assumiu a confecção da obra. De um modo geral, a cada pagamento, serão retidos 1% de CSLL, 3% de COFINS e 0,65% de PIS/PASEP. Sobre a mão de obra contratada, ainda incidirá 4,8% de Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica e 11% de INSS.

Mas, putzgrila, você é um patriota! Você quer colaborar com o aquecimento da economia e movimentar a Construção Civil!

Então você paga todas as taxas, navega pela burocracia estatal, se submete de bom grado à fiscalização, recolhe todos os impostos sobre produtos e serviços, e – finalmente! –, antes da próxima passagem do cometa Halley, consegue terminar sua casinha.

Ora de pegar um caminhão de mudanças e…

Não, péra aí, patriota: uma vez construída a casa, você terá que obter o Habite-se e recolher o INSS sobre a construção.

O RETORNO DOS IMPOSTOS PERPÉTUOS

O Habite-se é um documento que atesta que sua casa, após ter sido construída sob a vigilância dos famintos fiscais burocráticos do Estado, está pronta para ser ocupada.

Ou seja: o Habite-se é uma taxa que você paga para a Prefeitura atestar que o trabalho de fiscalização da obra realizado pela Prefeitura realmente obedeceu às normas definidas pela Prefeitura e, por este motivo, a Prefeitura afirma que a Prefeitura reconhece que você atendeu às exigências da Prefeitura enquanto construía segundo os preceitos de edificação estipulados pela Prefeitura – pois do contrário a obra teria sido embargada em algum momento e você não teria conseguido terminar sua casa.

É mais ou menos o seguinte: você pagou em dia todas as mensalidades da escola do seu filho. Após o término do ano letivo, o guri passou direto em todas as matérias com notas exemplares. Agora, para pegar o boletim de conclusão daquela série, você terá que pagar uma nova taxa à escola.

Mas não basta pagar: para estar apto ao pagamento do Habite-se, você, meu caro patriota, minha querida patriota, terá que apresentar alguns papelitos, tais como:

– Requerimento padrão devidamente preenchido com identificação do imóvel;

– CREA do profissional e sua Inscrição Municipal;

– ART do técnico responsável pela execução da obra;

– RG e CPF do requerente ou, se for empresa, CNPJ e Contrato Social;

– Guia quitada ou comprovante de arrecadação da taxa e preço público devidos ao órgão municipal;

– Capa do IPTU do imóvel e número do Cadastro Municipal;

– Cópias dos projetos aprovados e do Alvará de Construção;

– Atestados das concessionárias de água, esgoto e energia elétrica e do Corpo de Bombeiros (AVCB), que comprovam a correta funcionalidade das instalações hidráulicas, sanitárias, elétricas e de combate a incêndio;

– Comprovantes de quitação do ISS da obra: o imposto que incide sobre os prestadores de serviço da obra. Como muita gente paga seus prestadores na informalidade (com simples recibos e sem nota fiscal), a fiscalização da arrecadação municipal deverá calcular o montante devido e não recolhido. Você deverá quitar os valores ou apresentar os comprovantes para obter o Habite-se.

Ah: o valor do Habite-se não é uma coisa fixa. Ele varia segundo sua renda, a área construída, a gestão municipal, o CEP, a data das monções na Índia e o signo de sua bisavó paterna (calculado antes da mudança para o calendário Gregoriano em 1582).

Pago o Habite-se, é hora de dar uma chegada à Receita Federal para resolver o INSS: a obra foi registrada na Receita no momento em que você aprovou o projeto na municipalidade. Caso tente escapar do recolhimento do INSS, provavelmente você receberá uma notificação ameaçadora da Receita e terá um prazo de 15 dias para regularizar a situação.

A Receita determina o valor do INSS a ser recolhido sobre sua casa segundo o padrão da construção e o tamanho da área construída. Um dos critérios “científicos” utilizados pelos agentes da Receita para classificar o padrão construído como Alto, Médio ou Baixo é a quantidade de banheiros.

Sim, isso mesmo: quantos banheiros você tem em casa diz se sua casa é uma mansão ou uma choupana Paleolítica. Pelo menos para a Receita.

A casa é considerada de padrão Baixo se tiver 1 ou 2 banheiros; de padrão Médio se tiver 3 banheiros; e de padrão Alto se tiver 4 ou mais banheiros – e isso inclui lavabos. Não importa como é a casa, importa quantos banheiros tem.

Infelizmente, não é possível calcular e recolher o INSS da sua casa via internet: você terá que agendar o atendimento em uma agência da Receita e comparecer ao local levando alguns documentos simples como Planta da casa; Habite-se ou certidão da prefeitura; alvará de concessão de licença para a construção; Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); CPF; RG; comprovante de endereço e Carnê do IPTU.

O valor sobre qual incidirá o INSS é determinado utilizando um indicador chamado CUB (Custo Unitário Básico da Construção Civil), que é calculado mensalmente em todas as regiões do país. Em geral, o valor sobre o qual incidirá o INSS é calculado mais ou menos assim:

– De 100 a 200 metros, multiplica-se pelo CUB e aplica 8%.

– De 100 a 200 metros, multiplica-se pelo CUB e aplica 8%.

– De 200 a 300 metros, multiplica-se pelo CUB e aplica 14%.

– Acima de 300 metros, multiplica-se pelo CUB e aplica 20%.

O resultado mostrará o valor sobre o qual serão calculados os impostos que devem ser recolhidos junto à Receita:
– INSS Patronal: 20% do valor calculado acima.
– INSS Segurado: 8% do valor calculado acima.
– RAT: 3% do valor calculado acima.
– Outras Entidades: 5.8% do valor calculado acima.

Uma boa notícia: a compra de imóveis prontos cujo valor seja de até 440 mil não está sujeita à tributação pela Receita Federal – desde que você não tenha qualquer outro imóvel em seu nome e não tenha vendido imóveis nos últimos 5 anos. Mas isso só resolve uma pequena etapa da burocracia.

RESUMINDO A TRAGÉDIA GREGA

Fica mais que óbvio, por tudo isso, o quanto o Estado impede o cidadão de empreender e de investir na economia por meio da Construção Civil. Se o governo e o Estado realmente quisessem estimular a economia do país, eles se retirariam o máximo possível deste setor.

Ao facilitar a construção de casas em um bairro ou cidade, por exemplo, o governo facilitaria a atração de uma mão de obra para a região que movimentaria não apenas lojas de ferragens, de equipamentos de proteção individual e casas de materiais de construção, mas também restaurantes, supermercados, bares, lojas, cursos, escolas, aluguéis, jardinagem, etc.

O problema da Construção Civil não está apenas nas linhas de crédito ou na inflação, mas na regulação gigantesca que o Estado impõe ao setor. Existem leis de zoneamento, leis ambientais, leis de preservação histórica, leis de ocupação, leis, leis, leis…

Mesmo que você obedeça a todos os procedimentos e pague todas as taxas, o terreno que você comprou não é seu, tampouco a casa é sua: a propriedade privada no Brasil é um conceito tão relativo quanto abstrato. Se você duvida, tente cortar uma árvore no seu quintal ou na sua calçada sem pedir autorização para a Prefeitura…

Economistas do porte de Thomas Sowell já mostraram que, nos locais onde é possível construir casas e apartamentos sem as restrições malucas que os governos tanto adoram, nem mesmo o crescimento populacional e o aumento da renda fazem com que os preços dos imóveis disparem, porque a oferta de habitações recém-construídas acompanha o crescimento da demanda. Isto foi bem demonstrado na obra “Fatos e Falácias da Economia”, escrita por Sowell, onde ele compara estudos realizados em San Francisco, Los Angeles, Las Vegas e Houston.

Como Sowell bem observou, ironicamente, após criar custos artificialmente elevados para os imóveis por meio de sua burocracia, os governos costumam oferecer quantidades simbólicas de “habitação a preços acessíveis” a indivíduos ou grupos selecionados, perpetuando a crença de que a intervenção governamental é a chave para a criação de habitações de baixo custo, quando, na verdade, o próprio governo tem sido o fator mais fundamental para inviabilizar o acesso aos imóveis.

Por último, vale lembrar que os trabalhadores da Construção Civil têm um perfil bem específico:
– 93% são homens;
– 65% possuem entre 18 e 45 anos;
– 47% são solteiros; e
– 73% não têm o ensino médio completo.

Curiosamente, este perfil combina bem com aquele da população carcerária, onde:
– 95% são homens;
– 91% possuem entre 18 e 45 anos;
– 47% são solteiros; e
– 70% não têm ensino médio completo.

O estímulo à Construção Civil – leia-se DESBUROCRATIZAÇÃO E RETIRADA DO ESTADO E DO GOVERNO DAS NEGOCIAÇÕES E DAS TRIBUTAÇÕES NO SETOR – não apenas turbinaria a economia, como também produziria efeitos na segurança pública: existe uma força, uma energia masculina, que desce a Montanha da Sociedade como um rio furioso.

Esta torrente caudalosa irá se dividir em algum momento: ou ela irá para a Construção Civil ou para o Crime.

Olhe para tudo que foi escrito até aqui e reflita: para direcionar a força deste rio de homens para a Construção Civil, quantas leis e burocracias você precisa obedecer? Incontáveis.

E para que este mesmo rio se direcione para o crime? Nenhuma.

Não precisa ser um especialista na Lei da Difusão dos Gases para perceber que esta correnteza de homens, se for impedida de dispersar sua energia na Construção de uma Sociedade, fatalmente empregará esta energia para a destruição desta mesma Sociedade.

Só nos resta esperar que o Sr. Paulo Guedes e o Ilmo. Presidente Jair Bolsonaro tomem a decisão correta a partir de janeiro de 2019.

Veremos.

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