Enquanto Roma e Constantinopla disputavam o trono Papal, a Europa era assolada por imensos movimentos migratórios.
As Grandes Migrações, cuja data de início foi estabelecida como sendo em 375, marcam o nascimento daquilo que conhecemos como Idade Média. A maioria dos povos bárbaros já chega cristianizada, porém os imigrantes insistem em professar o arianismo, reacendendo a costumeira confusão entre os romanos.
Para tentar resolver a bagunça causada pelo retorno dos arianistas, surge Teodósio I (347-395), o último imperador a governar todo o mundo romano.
Teodósio I reinou de 379 até 395, e já em 380 – um ano após seu coroamento – aprovou o Édito de Tessalônica, tornando o cristianismo niceno (ou catolicismo) a religião oficial do Império. Na sequência, em 381, convocou o segundo Concílio Ecumênico da Igreja Católica (o Concílio de Constantinopla), onde as autoridades da Igreja reafirmam a validade do Concílio de Niceia e estabelecem, de uma vez por todas, o conceito oficial da Trindade.
É por causa do Concílio de Constantinopla que os católicos dizem “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém”.
O segundo concílio ecumênico resolve o assunto do Espírito Santo que havia sido deixado no vácuo em Niceia, mas causa outro problema:
No encontro em Constantinopla, é baixada uma nova norma (o complicado cânone terceiro) dizendo que o bispo daquela cidade teria a precedência sobres os bispos dos patriarcados de Alexandria e de Antioquia. Isso confere a Constatinopla uma posição hierárquica elevadíssima, colocando-a abaixo apenas de Roma no influente sistema religioso do Império.
Como resposta a esta afronta, o papa Dâmaso I realiza um sínodo em Roma em 382, onde protesta contra a promoção do status do bispo da nova capital imperial, e afirma com todas as letras que a primazia do patriarcado de Roma sobre os demais não havia sido estabelecida por uma mera reunião de bispos, mas sim pelo próprio Cristo.
No meio das disputas entre Roma e Constantinopla, a cristandade vê surgir o magnífico Aurelius Augustinus (354-430). Conhecido como Santo Agostinho, ele será o único Padre da Igreja cujas obras e doutrinas resultariam em um sistema de pensamento. Um filósofo incrível, marcado pela dupla herança do platonismo e do cristianismo, Agostinho propõe que Deus pode ser apreendido por um ato interno, colocando ao alcance de qualquer homem o entendimento das verdades eternas.
Agostinho elabora sua metafísica ao mesmo tempo em que os movimentos migratórios assumem a proporção de invasões bárbaras.
Em 406, vândalos e outros povos “bárbaros” cruzam o Reno, se espalham pela Gália e pela Espanha, e devastando tudo. Em 410, Alarico, rei dos visigodos, saqueia Roma, e tribos germânicas pilham várias províncias. Incapazes de lidar com todas as frentes, as autoridades imperiais tentam dispersar e manter os bárbaros longe das áreas mais ricas e urbanizadas.
Com as fronteiras sob ataque, a distância (e as birras) entre Roma e Constantinopla fazem ressurgir visões diferentes na doutrina cristológica: em um acesso de nostalgia, Nestório, patriarca de Constantinopla, volta a enfatizar a desunião entre as naturezas humana e divina de Jesus (Ah, Ario e suas ideias persistentes…).
Assim, em 431, Teodósio II (401-450) realiza o terceiro Concílio Ecumênico, o Concílio de Éfeso. O nestorianismo é condenado e Roma dá uma nova palmada em Bizâncio.
Quando as coisas pareciam mais ou menos apaziguadas, Átila, o Huno, invade a Gália Romana em 451. Apesar das aparências, o orgulhoso Império Romano do Ocidente está se esfacelando, mais desorganizado a cada dia. Neste cenário, os bispos desempenham um papel importante: o papa Leão, o Grande, vai ao encontro de Átila para negociar.
A conversa surte efeito e Átila promete não marchar sobre Roma. Para felicidade do Império, Átila morre em circunstâncias misteriosas em março de 453, na região que hoje conhecemos como Hungria.
Antes que pudessem respirar aliviados, os romanos foram surpreendidos em 455 pela invasão dos vândalos. As tropas comandadas pelo rei Genserico (389-477) cuidaram de fazer em Roma o saque que Átila havia sido convencido a não realizar.
As invasões bárbaras deixam a parte Ocidental do Império em farrapos, e as tensões entre em Ocidente e Oriente crescem.
Em 484, ocorre o primeiro cisma entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente. Roma e Constantinopla já estavam “divididas” em dois impérios diferentes desde a morte de Teodésio I, em 395. Com o cisma religioso, o cordão umbilical é cortado definitivamente.
No Ocidente cristão as brigas com os reinos bárbaros faz a região mergulhar na noite cultural e intelectual dos primeiro séculos da Idade Média.
Em contrapartida, a cristandade do Oriente constrói mosteiros e igrejas, esboça sua liturgia e envia missionários para evangelizar povos distantes. No entanto, falta ao Império um centro apostólico semelhante a Roma.
A esta altura, o Édito de Milão, uma das grandes manobras de Constantino para unir no Imperador a figura de chefe de Estado e chefe Religioso, já está a caminho da lata de lixo. As comunidades eclesiásticas do Oriente se desenvolvem em desunião, e o Imperador Bizantino deixa de ser o líder a Igreja. Para desgosto para a parte do Império com sede em Constantinopla, este cargo permanece com o Papa, em Roma.
Em 527, Justiniano (482-565) se torna Imperador e tenta organizar as coisas no Oriente. Logo no início de seu reinado, em 532, ele se vê frente a uma revolta que quase o derruba – a Revolta de Nika.
O movimento é resolvido quando o general Belisário cerca o hipódromo a mando de Justiniano e aniquila os revoltosos, matando nada menos que 35 mil pessoas em uma verdadeira carnificina.
Esmagada a oposição, Justiniano reina como um autocrata, mas ele sabe que precisará da ajuda das redes sociais bem capilarizadas da Igreja para sustentar seu governo e, com alguma sorte, reconquistar o Império Romano Ocidental, perdido para os bárbaros. Seu programa político poderia ser sintetizado na fórmula: “Um Estado, uma Lei, uma Igreja”.
Como a civilização urbana criada por Roma estava praticamente desintegrada, esta vaga foi ocupada de vez por uma novo centro de convergência capaz de estabelecer o senso de uma unidade europeia entre os povos do continente. Este centro é o Cristianismo: bispos e abades haviam construído um cordão de atividade religiosa, política e econômica ligada pelos conventos e, derradeiramente, ao comando central localizado em Roma.
Todavia, para acelerar o processo simbiótico entre a Igreja e o Estado, Justiniano consegue que antigos funcionários do Império, homens sem formação religiosa, se tornem bispos. Se você tivesse a quantidade suficiente de ouro, poderia comprar sua entrada no clero.
Utilizando tudo que tinha à sua disposição, Justiniano conseguiu restaurar a unidade do Império e, por consequência, da Igreja: em 554 , o Mediterrâneo voltou a ficar sob o controle dos romanos do Império do Oriente. O Império Bizantino alcança sua máxima extensão.
Ao lado da religião, o direito romano ajudou a manter a unidade e a ordem do Império sob Justiniano.
A definição de Direito dada por Justiniano baseava-se, principalmente, nos costumes do povo; e estes costumes, por sua vez, tinham raízes profundas nos dogmas religiosos. O Estado de Direito romano-bizantino era feito em prol da “vida honesta, não lesividade e ‘dar a cada um o que é seu'”. As leis envolviam a criação dos filhos, a chefia da família, o casamento, a propriedade, os impostos, os crimes e a organização político-estatal.
É curioso observar que o povo do Império Binzantino não chamava a si mesmos de “bizantinos”, mas de “romano”. O termo bizantino é uma denominação dada por historiadores da modernidade. Os “bizantinos” consideravam-se romanos, os últimos romanos dentro da anterior imensidão do Império.
O instituto jurídico romano disseminado por Justiniano, grandemente influenciado pelos dogmas Cristãos e vice-versa, é de grande importância até os dias de hoje, refletindo nos códigos legais de vários países, incluindo o Brasil. Estas heranças estão presentes em nosso código civil, nas relações de sucessão e usucapião, por exemplo.
Podemos dizer que foi definitivamente a partir de Justiniano que Cristianismo colocou-se de uma vez por todas no centro do desenvolvimento de toda a Civilização Ocidental.