Um dos seres mais comuns andando pela rua hoje em dia é o tal que pensa que “o seu jeito de fazer as coisas” é “o único jeito certo de fazer as coisas”. E não adianta torcer o nariz: provavelmente, você mesmo já agiu da mesma maneira – talvez centenas de vezes apenas ao longo da última semana -, achando que seu método para resolver qualquer impasse era sempre a melhor saída de todas as possíveis.
Esse comportamento pré-conceituoso exclusivista se expressa com pensamentos como:
– As pessoas não têm uma alimentação tão saudável quanto eu.
– Vejo esse povo que carrega montanhas de bagagem quando vai viajar e penso na mesma hora: eles não sabem viajar direito como eu viajo. Sou minimalista, prático, levo só uma mochila e olhe lá.
– Eu julgo mal as pessoas que não praticam exercícios ou não praticam exercícios do jeito certo como eu pratico.
– Me sinto superior aos fumantes (mesmo que eu tenha sido um fumante inveterado em um passado recente).
– Olho torto para pessoas que correm para assistir os lançamentos nos cinemas, ou ouvem músicas melosas, ou assistem TV demais (ainda que eu mesmo tenha feito todas essas coisas e, eventualmente, continue apreciando fazê-las às escondidas).
– Acho imediatamente uma bobagem essa coisa de gamers, racistas, misóginos, naturebas, vegetarianos, glutões, empresários, direita, esquerda, religião, ateísmo, pessoas que publicam fotos no Instagram ou memes no Facebook, que dirigem carros grandes demais, que amam bicicletas, que não são organizadas, que não são financeiramente responsáveis, que são frias, que são emotivas, que não fazem planos, ou que fazem planos em excesso…
BATENDO COM O PUNHO NA MESA
Essa tendência do “meu jeito é o único jeito certo” tem sido exemplificada em várias manifestações da cultura popular: a canção francesa Comme d´habitude, composta e lançada por Claude François em 1967, virou um clássico na voz de Frank Sinatra no ano seguinte. A melodia foi mantida, mas o texto foi completamente modificado: a música de Sinatra, adaptada por Paul Anka, recebeu o nome de My Way e conta a história de um sujeito que tem a convicção de ter trilhado seu caminho conforme sua própria vontade – e ele é bem explícito em dizer que, mesmo quando as coisas davam bem erradas, o importante era que ele sempre agia “do jeito dele”.
Nos anos 1970, os americanos resumiram esse sentimento com o ditado My way or the Highway, que poderia ser traduzido como “É pegar ou largar!”. Por aqui, os militares adaptaram o lema criando o slogan “Brasil: Ame-o ou Deixe-o”. Neste caso, a mensagem dos quarteis era explícita: faça do nosso jeito ou vaze. Ou seja torturado, exilado, morto, jogado às traças, qualquer coisa do tipo.
Eu julgo todo mundo de um jeito ou de outro por não ser igual a mim. E assim, parece, procedem todas as pessoas: quando alguém não faz as coisas do seu jeito, você as julga. Porque o seu jeito é o único jeito certo. Pelo menos foi disso que seu ego lhe convenceu. E não adianta assumir ares de santidade – agora é tarde para isso.
Obviamente, esta é apenas uma reação natural de aversão ao que é diferente. Mas, se você parar e abordar esse tipo de posicionamento à luz da razão, perceberá facilmente que não tem como seu jeito ser único jeito certo. As outras pessoas apenas têm preferências distintas das suas, e o planeta seria de um tédio infinito se todo mundo fosse absolutamente igual, gostasse das mesmas coisas e tivesse exatamente as mesmas opiniões.
SEJA MALEÁVEL
Desde que o jeito dos outros não inclua causar danos físicos a outrens ou à propriedade de terceiros, precisamos da diversidade. Necessitamos ideias diferentes, sortidas, heterogêneas. É imprescindível expor-se à colisão de culturas e tendências dessemelhantes porque esta é a única maneira de aprender, evoluir, melhorar.
Então peço que você preste atenção quando achar que o seu jeito é melhor que o jeito de qualquer outra pessoa perto ou longe de você. Observe essa sua atitude, questione-a, procure desenvolver uma curiosidade honesta sobre as maneiras do outro. Como pode aquela pessoa achar que aquela maneira de proceder é melhor que a sua maneira de proceder? Lhe garanto: ela está tão certa disso como você está convicto dos seus modos.
Faça agora um exercício mental e imagine um mundo onde você é capaz de desapegar dos julgamentos fáceis e simplesmente abraçar a curiosidade, ampliando sua erudição, sua cultura e sua sabedoria. Sim, fazer isso é uma batalha, uma batalha constante contra o seu Ego. Mas acredite: esse é o tipo de batalha que vale à pena lutar. Ouse desafiar-se.