E se houvesse um modo de viver para sempre? E se um homem um dia realmente conseguisse viver para sempre, milênios de séculos intermináveis, o que ele veria? Veria a beleza em tudo ou a tragédia em tudo? Veria o desperdício, as intenções imbecis todas – da violência à hipocrisia da paz? E ele sorriria? Ou deixaria-se soterrar em consternação pela burrice que nos permeia e preenche?
Veria ele valor no amor ou desejaria que as pessoas lhe retirassem os louvores? Identificaria algum pecado? Veria justiça no ódio? Tempero na vingança? Sentido nas vaidades? Perceberia deuses e demônios ou enxergaria as intenções como um vácuo de nadas? Quantos poentes ele levaria até cansar-se de contemplar o Sol sendo engolido detrás do horizonte? Quantas noites até achar toda aquela escuridão imensa apenas um meio giro sobre o eixo?
O Homem Infinito veria outra utilidade na humildade exceto a de proteger-nos de nossa mediocridade para quando tropeçarmos, evitando que alguém apareça e chute-nos a cabeça enquanto soluçamos prostrados de quatro? Para inspirar compaixão e misericórdia quando não formos mais fortes o suficiente e estivermos à mercê de outros poderes – pois é para isso que nos fazemos de humildes. A humildade é uma barganha de subserviência e desejo de admiração e maldições que não ousamos enunciar. Não existe humildade verdadeira na humildade que aspiramos.
O Homem Infinito veria utilidade nos governos? “Irão todos desaparecer”, ele decretaria de seu asteróide errante. As guerras e seus motivos, os hinos, as tropas marchando com suas bandeiras, as opiniões polarizadas, as leis, os impostos, as estradas, os templos, a escravidão e o bem-estar social irão desaparecer. Os eleitores, os eleitos, os corruptos e os honestos (se os houve um dia), as notícias, as coroas, as pratas da casa, os acordos, as intrigas, os contratos do que é certo e do que é errado, irão todos desaparecer também. E o que sobrará, acaso sobre algo, serão histórias distantes e alguns tesouros enterrados. Do resto, nem os cães se recordarão.
Para o Homem Infinito, o que teria sabor? O que seria arte? O que seria belo e sincero? Posto que, até hoje, todas as descrições do homem eterno partiram de homens mortais que o criaram, dos conceitos às ideias, o que seria de fato próprio dele e que escapa ao nosso escrutínio?
Se houvesse um modo de vivermos para sempre, se um dia realmente conseguíssemos viver para sempre, o que veríamos para além de nós?