G.I. JANE E O FEMINISMO

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Em 1997, com algum estardalhaço, foi lançado o filme G.I. Jane. Dirigido por Ridley Scott e estrelado por Demi Moore e Viggo Mortensen, a película contava a história fictícia do ingresso da primeira mulher no Special Warfare Group (SWG), a equipe de elite dos Fuzileiros Navais dos EUA.

Batizado no Brasil de “Até o Limite da Honra”, o filme custou US$ 50 milhões de dólares e arrecadou quase US$ 100 milhões nas bilheterias. Apesar do sucesso de público e do bom retorno financeiro, academias de cinema em todo o mundo torceram o nariz para a história, considerando a carreira de Demi Moore “encerrada” após sua estreia.

Por que isso ocorreu?

O CONTEXTO NARRATIVO

Após uma série de manobras políticas para ganhar apoio militar em seu estado, uma senadora do Texas consegue que a tenente Jordan O´Neil (papel de Moore) seja aceita no treinamento do SWG com a desculpa de que as forças armadas deveriam ser “inclusivas com as mulheres”.

A medida deveria ser apenas um pretexto inócuo – a senadora não esperava que O´Neil sobrevivesse à provação e desistisse logo no começo –, mas a garra da tenente faz com que ela conclua o pesado treinamento SERE (Survival, Evasion, Resistance, and Escape): um programa brutal de 12 semanas com 20h de atividades diárias, feito sob medida para levar os recrutas ao nível de esgotamento físico e mental. Segundo a Marinha Americana, mais de 60% dos candidatos inscritos não conseguem completar o SERE.

O´Neil se vê desafiada por muito mais que o esforço físico: na balança de sua ética, ela não pensa ser justo ter as mesmas oportunidades que os homens, porém com privilégios garantidos apenas por ser mulher. Ela recebe um alojamento próprio, um banheiro exclusivo, tem bônus de tempo no desempenho dos exercícios e recebe facilidades para ultrapassar obstáculos. Por exemplo: para saltar uma parede de 3 metros de altura, enquanto os demais devem se agarrar em fendas e cordas, ela ganha uma pequena escada exclusiva para concluir a tarefa.

Ciente de que Igualdade não pode ser alcançada com Privilégios, O´Neil se recusa a usar a escada e, no momento do exercício na pista com barreiras, à noite, sob chuva e artilharia, se posiciona para servir de trampolim para seus companheiros de equipe. Um a um, seu time pisa em suas costas para transpor o obstáculo. Ficando por último, ela precisa do auxílio de quem está no topo para subir – uma estratégia do jogo de equipe –, mas é sabotada e deixada para trás em uma clara demonstração de misoginia.

Cansada dos privilégios, O´Neil desafia o comandante da base e exige tratamento absolutamente igual a todos os demais. Nada de alojamento ou banheiro separados. Nada de “direitos diferenciados”. Ele exige nada além de IGUALDADE de tratamento.

Em uma representação antológica da legitimidade de seu discurso, a tenente vai à barbearia e passa uma máquina zero na cabeça, podando seus longos cabelos. Na sequência, muda-se para o alojamento masculino, aumentando ainda mais a tensão no grupo.

Durante um treinamento de resgate no mar, um dos soldados de seu pelotão lhe conta a história de seu avô, um marinheiro que venceu preconceitos para servir em um torpedeiro na Segunda Guerra Mundial. Na época, a Marinha acreditava que negros só serviam para trabalhar na cozinha. Agora ele, também negro como seu avô, passa pelo caminho aberto pelas gerações anteriores. O´Neil, sendo mulher, é apenas o novo “negro” na Marinha. Os tempos mudaram. A discriminação com o diferente, não.

Na etapa final do treinamento SERE, O´Neil lidera sua equipe em uma missão de reconhecimento em uma ilha. A incursão dá errado e o pelotão é capturado pelo “inimigo”. A intenção é testar a resiliência Mental e Moral dos soldados: será que, feitos prisioneiros e colocados sob tortura, eles entregariam informações estratégicas?

Primeiramente, um soldado com um joelho quebrado é torturado em uma cabana com requintes de crueldade. O pelotão, preso em gaiolas do lado de fora, assusta-se com os gritos do recruta. Depois dele, o Comandante-Chefe Urgayle – papel de Viggo Mortensen –, leva O´Neil para a “casa de interrogatório”, amarra suas mãos às costas e a submete a uma sequência de socos e chutes que incomoda até mesmo os demais soldados que participam da simulação como “torturadores”.

Uma corrente é tão mais forte quanto seu elo mais fraco. Para dar esta lição ao grupo como um todo, Urgayle leva O´Neil para fora da cabana e dá seguimento ao espancamento. A tenente cospe sangue, mas não se dobra. Urgayle a deita de bruços sobre um tonel e, com uma faca, começa a tirar sua roupa, transmitindo a intenção de que irá estuprá-la na frente de sua equipe. Mesmo dominada, amarrada e machucada, a tenente revida e desce o cacete no Comandante-Chefe.

Tonto e sangrando com os golpes de O´Neil, Urgayle retoma a pancadaria até deixá-la semi-desmaida no chão. Injuriados com a covardia, os homens presos nas gaiolas viram as costas para o Comandante-Chefe, em desaprovação. Ele se aproxima dos “prisioneiros” para explicar o motivo de estar agindo daquela forma: é melhor sofrer o diabo ali que morrer em um campo de batalha.

Neste momento, é interrompido por O´Neil, que se levanta cambaleante. Mal conseguindo permanecer de pé, ela reúne suas últimas forças para resumir o sentimento de sua luta contra todas as pressões externas que sempre tentaram impedi-la de ir em frente apenas por ser mulher. Em alto e bom som, ela diz ao Comandante: “VÁ PARA O INFERNO!”.

A MENSAGEM EXPLÍCITA

“Vá para o inferno!”.

“Vá para o inferno” com suas facilidades, seus privilégios, suas cotas, sua gentileza, sua cortesia, seu preconceito. Vá para o inferno com sua ideia de que sou mais fraca, mais frágil, menos resistente, menos capaz, menos inteligente, mais vítima. Simplesmente “Vá para o inferno!” e saia da minha frente.

G.I. Jane tem exatamente o discurso feminista que as feministas odeiam – e os homens adoram.

Demi Moore representa uma mulher linda, sexy, mas absolutamente corajosa, disciplinada, meritocrática e com um poderosíssimo sentimento de Honra.

O Espírito de Atena que ela manifesta não tem axilas peludas, ou autocomiseração hipócrita ou masculinização desnecessária: nas horas de folga, ela passa batom, usa vestidos e conversa com o namorado pelo telefone. A delicadeza e a astúcia de sua alma feminina se acompanham da virilidade de uma força da natureza. É uma combinação mágica e poderosa, um verdadeiro arquétipo perfeito da Mulher-deusa desejada e admirada por qualquer Homem de verdade.

Obviamente, isso não poderia fazer muito sucesso no meio artístico. Hollywood é sabidamente um antro de esquerditas, e a agenda da Terceira Onda do Feminismo tem de tudo, menos Força, Coragem, Honra, Disciplina ou Sabedoria. Moore levou esta mensagem para as telas e foi condenada ao ostracismo. Mas ainda há tempo de resgatar estes valores, tanto entre Homens quanto entre Mulheres.

Ao final do filme, Urgayle parabeniza O´Neil por sua graduação, presenteando-a com um livro onde reconhece sua bravura e a agradece por tê-lo salvo da morte certa em combate.

Na obra – uma idiossincrática coleção de poemas de D.H. Lawerence –, Urgayle deixou sublinhada as palavras que usava com frequência nos treinamentos, quando cuspia testosterona em seus discursos à tropa:

“Nunca vi um animal selvagem ter pena de si mesmo: um pássaro pequeno cairá morto e congelado de um galho sem nunca ter sentido pena de si mesmo!”.

Menos “pardais vítimas da sociedade” e mais G.I. Janes. É disso que temos sentido falta.

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