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Em nome do argumento, vamos considerar que uns 20 milhões de adultos utilizem o SUS para uma consulta de check-up todo ano, como se fossem automóveis na revisão dos 50 mil quilômetros. E imagine que, entre agendamento, consulta com o generalista, exames de laboratório, radiografia, eletrocardiograma e consulta de retorno, o custo final de cada check-up saia pela bagatela de R$100,00. Estamos falando de uma rotina de 2 bilhões de reais a cada 12 meses.
Do ponto de vista do meu bolso, qualquer coisa que custe 2 bilhões de reais por ano deixou de ser rotina há muito tempo. Virou investimento, passou a ter a obrigação de valer muito à pena. E o lance é que não vale.
Por motivos diversos e muito além da preocupação com custos, poucas sociedades médicas ainda recomendam que pessoas adultas saudáveis passem por exames periódicos anuais, sendo que alguns grupos de especialistas se posicionam ativamente contra essa prática, tais como o US Preventive Services Task Force e o Canadian Task Force on the Periodic Health Examination.
“Ah, mas é importante fazer uma revisão geral periodicamente”. É mesmo? Baseado em que evidências? Exames de rotina podem gerar (e quase sempre geram) outros exames adicionais para detectar alterações incidentais, aumentando a ansiedade e levando a diagnósticos e tratamentos excessivos de “doenças” que, se deixadas em paz e sem detecção, jamais produziriam consequências clinicamente significativas.
Do ponto de vista de promoção da saúde, o exame anual periódico em indivíduos sem sintomas tem ainda menos valor, pois não reduz a morbidade e a mortalidade de doenças agudas ou crônicas, podendo ainda alimentar a complacência de pessoas que deixam de agir “até terem certeza absoluta de que é necessário” – como aquele seu conhecido com sobrepeso que, enquanto não receber o resultado dos níveis de colesterol, não toma atitude alguma para diminuir a própria capa de gordura.
Uma revisão realizada em 2012 pelo prestigiado grupo Cochrane, envolvendo 14 estudos clínicos randomizados e totalizando mais de 180 mil pacientes acompanhados por uma média de nove anos, concluiu que exames de check-up realizados em pessoas sem sintomas não produzem qualquer benefício para a saúde. Não importam os tipos de testes ou métodos de screening: exames periódicos simplesmente não são capazes de reduzir a mortalidade geral ou específica, nem mesmo aquelas relacionadas a câncer e doenças cardíacas.
Uma outra pesquisa, chamada Danish Inter99, também produziu pareceres semelhantes. O estudo comunitário envolveu cerca de 60 mil adultos entre 30 e 60 anos que foram avaliados periodicamente durante cinco anos quanto ao risco de infarto cardíaco, sendo sempre orientados a promover modificações no estilo de vida. Uma década após esta intervenção, não foram observadas quaisquer melhoras na incidência de doença cardíaca, derrame ou mortalidade geral.
Alguns especialistas defendem o check-up periódico dizendo que o custo de tratar as complicações da hipertensão arterial, por exemplo, são muito maiores que aqueles dos exames preventivos. Se o sujeito esperar demais, quando chegar a ser diagnosticado como hipertenso, já estará à beira de uma catástrofe. E as consultas periódicas podem ser um bom terreno para orientar sobre vacinas, tabagismo, alcoolismo, drogas, nutrição, obesidade, atividade física e pesquisar a incidência de depressão e violência doméstica.
É verdade que talvez o maior benefício do exame de check-up esteja na construção de um vínculo entre o paciente e o seu médico, ao invés do contato apenas em situações de emergências. Mas, em termos de políticas públicas, o papel do check-up de rotina em indivíduos sem sintomas precisa ser revisto.
Em termos pessoais, eu recomendo que você evite paranoias: procure seu médico se e quando você estiver sentindo alguma coisa. Pronto. E vá descobrir a vida que existe para além da sua hipocondria.