Uma das consequências involuntárias do capitalismo é que ele coloca diferentes culturas e sociedades em contato direto muito mais amplo umas com as outras. Liga as pessoas entre si muito mais rapidamente do que estas e suas culturas possam estar preparadas para isso. Algumas culturas prosperam devido às repentinas oportunidades de colaboração que essa intimidade torna possível. Outras se sentam ameaçadas, frustradas e até mesmo humilhadas por esse contato estreito, o qual, entre outras coisas, facilita muito a percepção do lugar em que as pessoas se encontram no mundo em relação às demais. Tudo isso ajuda a explicar o surgimento de forças contrárias – como as ideologias de esquerda.
Por exemplo: quando esquerdistas olham para a riqueza de países capitalistas desenvolvidos, veem somente os aspectos que, aos olhos deles, tornam essas sociedades decadentes, promíscuas e “opressoras”. Eles não veem, e não querem ver, a liberdade de pensamento e de expressão, o poder de criatividade, o incentivo meritocrático ao empreendedorismo e o fomento aos avanços tecnológicos que tornaram esses países poderosos. Definem tudo deliberadamente como “luta de classes” e, para destruir o “poder das elites”, tentam atacar justamente aquilo que mantém as sociedades desenvolvidas, inovadoras e abertas: a confiança no capitalismo.
Sem confiança, não existe sociedade aberta, porque não existe polícia suficiente para patrulhar todas as aberturas. Sem confiança, tampouco pode haver livre comércio, porque a confiança permite derrubar muralhas, remover barreiras e eliminar atritos nas fronteiras. A confiança é essencial para o desenvolvimento do capitalismo.
Os esquerdistas estão convencidos de que “as massas” estão profundamente insatisfeitas com suas condições, e que um ou dois atos espetaculares contra os “pilares da opressão” os ajudarão a derrubar o “sistema burguês imoral” que impede o estabelecimento do paraíso proletário. Entretanto, basta consultar as inúmeras evidências históricas do século XX para perceber, com assustadora facilidade, que por onde quer que tenha passado a esquerda jamais desejou estabelecer um “paraíso proletário”, mas uma Tirania imperialista e censuradora aos seus moldes.
O fascismo e o marxismo-leninismo são oriundos da rápida industrialização e modernização da Alemanha e da Europa central, onde as comunidades que viviam em aldeias estreitamente vinculadas entre si e em famílias amplas foram repentinamente despedaçadas quando filhos e pais partiram para as regiões urbanas a fim de trabalhar para grandes firmas industriais. Nesta era de transições, os jovens, especialmente, perderam o senso de identidade, de enraizamento e de dignidade pessoal que as estruturas sociais tradicionais lhes proporcionavam.
Nesse vácuo espiritual e político apareceram Hitler, Lenin e Mussolini, que afirmaram a esses jovens possuírem a resposta a seus sentimentos de deslocamento e humilhação: “Vocês podem não estar mais nas aldeias e pequenos vilarejos, mas ainda são membros orgulhosos e dignos de uma comunidade mais ampla” (os oprimidos da classe trabalhadora ou da nação ariana, conforme o caso). No mundo muçulmano, Bin-Laden e o ISIS oferecem este mesmo tipo de resposta ideológica: “Está se sentindo frustrado? Una-se a nós! Nós lhe daremos um sistema através do qual poderá se vingar!” .
O esquerdismo não é fruto da pobreza material: ele é gerado pela pobreza de dignidade. Quando as pessoas se sentem humilhadas costumam reagir com energia e se entregam a extremismos, e então saem caminhando pelas estradas da vida procurando torres que possam destruir, porque não conseguem por si atingir aquelas alturas. Como a irracionalidade possui maior carga emocional e exige menos conhecimento e esforço, mais pessoas engolem o discurso de esquerda com maior facilidade. O que estes aliciados não percebem é que a incapacidade crônica que sofrem é produzida e mantida pelo sistema que defendem e prega a velha inverdade de que os “protege”.
A esquerda não precisa de investidores ou empresário, mas de recrutas, doadores e vítimas. O esquerdismo se alimenta da frustração e da humilhação de suas massas: findos estes sentimentos, a ideologia esquerda deixa de ser um abrigo sedutor. Quem tem um caminho para tornar-se um Homem ou uma Mulher dignos, geralmente se concentra nesse caminho para a realização de seus sonhos – mas quem não tem esse caminho, em geral se concentra em cultivar ira e sentimentos de vingança. Mantendo-se o povo sob uma nuvem de frustração, impedindo-o de crescer social e economicamente, e salientando energicamente, com uma guerra de ideias, a humilhação deste estado de penúria crônica, a esquerda angaria multidões com seu discurso de benefícios e privilégios. O que seria dela se essas emoções fossem substituídas por outras, mais livres, autônomas e objetivistas?
O capitalismo e a direita se nutrem justamente de emoções OPOSTAS àquelas da esquerda. Suas raízes estão no mérito e nas conquistas: quanto mais você busca conquistar o que deseja por meio de seus próprios méritos, mais à direita suas ideias se deslocam. Quem está ganhando dinheiro, sendo produtivo e elevando seu padrão de vida, não fica ocioso pensando: “Quem é o culpado disso que foi feito contra mim?” ou “Por que minha vida está tão ruim?”. As pessoas que vivem com esta mentalidade tendem a passar o tempo concentradas no que vão fazer e não em quem culpar.
Uma vez a favor do capitalismo e do livre mercado, você não mais quer que alguém simplesmente lhe dê a caridade de um abrigo, pois seu senso de “frustração e humilhação” foi substituído por uma profunda convicção de valor próprio. Tudo que você quer agora é advertir que unam-se a você ou saiam do seu caminho, pois irá avançar com toda sua potência. Essa é a mentalidade capitalista, e nada poderia ser mais ameaçador para o discurso auto-vitimista que sempre patrocinou a esquerda.
Como nação, possuímos todos os recursos necessários para a modernização e o crescimento em nossos próprios termos culturais, se estivermos dispostos a utilizá-los. Infelizmente, há uma forte resistência de cunho ideológico trabalhando contra esse avanço, uma resistência que luta para rebaixar todos ao mesmo nível ao invés de ELEVAR todos ao mesmo nível. Temos um povo cujos modelos de liderança são homens cheios de raiva e que agregam em torno de si jovens que passam boa parte do tempo imaginando como extravasar sua frustração e não na realização de seus potenciais.
Sabemos perfeitamente quais são as uvas azedas nesta sociedade de valores deformados. Resta saber agora de que lado você está.
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*Adaptado de Thomas L. Friedman. O Mundo é Plano – uma breve história do século XXI. Ed. Objetiva (2005).