A VERDADE SOBRE OS ANABOLIZANTES

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Os esteroides anabolizantes androgênicos (daqui em diante referidos como anabolizantes, por motivos práticos) são os equivalentes artificiais da testosterona.

Fisiologicamente, aumentos nos níveis de testosterona estimulam a produção de proteínas, resultando em ganho de força e massa muscular. Além disso, a testosterona é responsável pelo desenvolvimento dos caracteres masculinos secundários como pelos no corpo, voz mais grave, calvície, libido, produção de espermatozoides e agressividade.

Em 1939, Boje foi o primeiro a sugerir que a administração de suplementos de testosterona poderia melhorar o desempenho atlético. Ao longo das décadas de 1940 e 1950, o uso de testosterona por atletas de ponta se disseminou rapidamente, inicialmente entre fisiculturistas e então entre levantadores de peso, jogadores de futebol americano e todo o mundo esportivo. Com a fabricação de similares feitos pelo homem, o uso de testosterona foi sendo substituído (ou complementado) pelo emprego de anabolizantes sintéticos.

Os atletas em geral utilizam anabolizantes em combinações de diferentes drogas, tentando somar efeitos para obter a máxima potência de cada uma das substâncias. Muitos utilizam anabolizantes em ciclos: os medicamentos são administrados ao longo de 5-10 semanas – ou até meses- e então alternados com períodos de interrupção do uso (também chamado de repouso ou descanso).

As drogas são aplicadas como uma pirâmide, com aumentos progressivos das doses ao longo de semanas. Quando se aproximam do final do ciclo, os atletas reduzem gradativamente as doses para evitar o risco de efeitos colaterais durante o descanso.

Alguns alternam os ciclos de esteroides com ciclos de drogas que aumentam a produção endógena de testosterona, na tentativa de evitar as quedas indesejáveis nos níveis deste hormônio que em geral acompanham a fase de descanso.

Por muitos anos, a comunidade médico-cientÍfica tentou combater o consumo de anabolizantes, salientando sempre os “terríveis”efeitos danosos dessas substâncias. Em grande parte, esse esforço se mostrou inútil e fez com que os atletas perdessem a confiança no conhecimento clínico, levando-os a buscar informações com amigos, sites na internet e fornecedores.

Entretanto, revisões recentes da literatura sugerem que os problemas associados ao uso dos esteroides anabolizantes podem ter sido superestimados. Muitos efeitos colaterais são reversíveis com a interrupção do tratamento, e existem diferenças entre efeitos colaterais associados ao uso de anabolizantes sob supervisão médica e os efeitos do consumo excessivo e não-supervisionado de altas doses.

Os efeitos adversos parecem ser muito mais comuns entre fisiculturistas (que sabidamente também consomem várias outras drogas tais como diuréticos, hormônios tireoideanos, insulina e anti-estrógenos) que entre outros atletas.

Diferentemente dos fisiculturistas, atletas de força & desempenho procuram os anabolizantes como uma ferramenta de preparação antes de uma temporada, ciclando a droga apenas para atingir um condicionamento máximo em um período específico do ano.

Por outro lado, os fisiculturistas utilizam anabolizantes para ganhar massa muscular e definição. Como seu sucesso é medido pela aparência estética, muitos desses atletas empregam doses excessivas ao longo de vários anos, sem intervalos de descanso ou apenas reduzindo o volume das drogas nos períodos de repouso – um comportamento compatível com o de dependentes químicos.

Apesar dos problemas associados ao uso de anabolizantes serem bem diferentes entre fisiculturistas e atletas de força & desempenho, a literatura científica em geral não diferencia os efeitos colaterais entre um grupo e o outro. E isto é um erro.

PROBLEMAS CARDIOVASCULARES

O risco de infarto cardíaco é uma das maiores preocupações, principalmente devido aos vários casos relatados nos últimos 20 anos entre fisiculturistas e levantadores de peso jovens e de meia idade.

Todavia, as evidências mostrando uma associação de causa-efeito direta entre anabolizantes e infarto cardíaco ainda são limitadas. Muitos atletas estudados durante o uso de anabolizantes não mostraram comprometimento da circulação coronariana.

Alterações na concentração de gorduras sanguíneas (colesterol e triglicérides), elevações na pressão arterial e aumento do risco de trombose são riscos frequentemente associados aos anabolizantes, mas sua magnitude dependerá do tipo, da duração e da quantidade da substância empregada.

É interessante observar que os efeitos cardiovasculares aumentam com o tempo de uso, mas parecem ser reversíveis com a suspensão da droga. A despeito dos baixos níveis de HDL (colesterol bom) em fisiculturistas, o uso de anabolizantes não pareceu causar disfunções vasculares importantes.

Curiosamente, atletas de força & desempenho parecem ter uma incidência maior de problemas cardiovasculares que outros atletas, a despeito do uso de esteroides: quando um atleta desses, com problemas cardiovasculares subjacentes, consome anabolizantes, seu risco para doenças cardiovasculares é bem maior que aquele de um fisiculturista, por exemplo. Todavia, o risco de morte súbita por complicações cardiovasculares pode ocorrer na ausência de aterosclerose.

Existem vários relatos na literatura de fisiculturistas que desenvolveram trombos, especialmente relacionados ao uso de esteroides 17α-alquilados ingeridos por via oral. Acredita-se que estas substâncias aumentem a agregabilidade plaquetária, provavelmente por meio de um incremento na produção de tromboxano A2 e/ou por diminuição da produção de prostaglandina Pgl2, resultando em um estado de hipercoagulabilidade.

Quando comparados a indivíduos sedentários ou atletas recreativos, os atletas de força & desempenho altamente treinados e sem história de uso de anabolizantes apresentam uma incidência maior de anormalidades de condução de impulsos elétricos no ventrículo esquerdo.

Os treinos de resistência aumentam a espessura da parede do ventrículo esquerdo e do septo interventricular devido à magnitude da pressão de pós-carga – e isto independe do uso de anabolizantes. Esta alteração, conhecida como hipertrofia concêntrica, não compromete o diâmetro do ventrículo esquerdo, mas aumenta sensivelmente o risco de complicações cardiovasculares quando estes atletas decidem usar esteroides.

PROBLEMAS NO FÍGADO

O uso de anabolizantes sempre esteve associado a um receio de tumores malignos e outras lesões no fígado (ex.: adenoma hepatocelular e inflamação), em decorrência de ser o fígado o responsável pelo metabolismo primário dessas substâncias.

Vários casos de problemas hepáticos foram relatados em atletas consumindo anabolizantes, mas pesquisas recentes questionaram esse risco: um estudo examinou a bioquímica sanguínea de fisiculturistas que auto-aplicavam anabolizantes e encontrou elevações nos níveis de aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT) e creatinofosfoquinase (CPK), mas não detectou alterações na concentração de gama-glutamiltranspeptidase (GGT) – um marcador mais sensível para lesões no fígado.

Por este motivo, alguns especialistas questionam o emprego destes exames devido à dificuldade em separar os efeitos do dano muscular resultante do treinamento do risco potencial de alterações hepáticas. Isto levou alguns pesquisadores a sugerir que a hepatotoxicidade dos esteroides é superestimada.

Muitos relatos associando a administração de anabolizantes e câncer no fígado envolveram indivíduos tratados com esteroides orais (17α-alquilados) por muitos anos. Todavia, nenhum caso de cistos ou tumores no fígado foi documentado em atletas utilizando esteroides 17β-alquilados.

Até aqui, as evidências parecem indicar que o risco de doenças no fígado relacionadas ao uso de anabolizantes pode não ser tão elevado quanto a comunidade médica anteriormente pensava.

PROBLEMAS OSTEOMUSCULARES

O uso de anabolizantes resulta em elevações significativas nos níveis de estrógenos. Entretanto, não existem relatos documentando a ocorrência de interrupção prematura do crescimento ósseo em adolescentes utilizando anabolizantes.

Algumas pesquisas sugeriram que os anabolizantes poderiam aumentar o risco de rompimento e outras lesões em tendões em atletas. Mas é preciso observar que, com o uso dessas substâncias, as adaptações musculoesqueléticas ocorrem mais rapidamente que as adaptações no tecido conectivo.

Com a hipertrofia muscular e o aumento da força e da intensidade nos treinamentos, é de se pensar que talvez os tendões não se adaptem rápido o suficiente para suportar o incremento da carga, e terminem sofrendo roturas – que não estariam relacionadas a uma ação direta dos anabolizantes sobre estas estruturas.

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS E COMPORTAMENTAIS

Muito se fala sobre o uso de anabolizantes e seus efeitos psicológicos e comportamentais, associando-se o uso dessas substâncias a aumentos na agressividade, na libido e na irritabilidade.

A melhora da auto-estima pode ser um efeito colateral positivo. E o aumento da agressividade certamente é um ganho no caso de atletas que competem em esporte de contato. Entretanto, ambos os efeitos podem ocorrer fora do contexto esportivo, colocando o usuário e as pessoas ao seu redor em risco.

Os esteróides anabolizantes de fato estão associados a mudanças de humor e aumento da ocorrência de surtos psicóticos: estudos mostraram que cerca de 60% dos usuários apresentam aumento da irritabilidade, de comportamentos agressivos e ocorrência de episódios maníacos.

Infelizmente, ainda não foi possível estabelecer uma relação direta de causa-efeito entre alterações psicológicas e uso de anabolizantes, mas parece que aqueles que experimentam alterações comportamentais recuperam-se bem quando param de utilizar os esteroides.

OUTROS EFEITOS COLATERAIS ASSOCIADOS AO USO DE ANABOLIZANTES

Existem outros efeitos colaterais associados ao uso de anabolizantes, tais como: acne, queda de cabelo, ginecomastia, redução da fertilidade (por diminuição da produção de espermatozoides), atrofia testicular e impotência sexual.

A acne é um dos efeitos colaterais mais comuns e ocorre em cerca de 43% dos usuários. Os locais mais afetados são o rosto e as costas. Com a suspensão do uso de esteroides, a acne em geral desaparece.

A queda excessiva de cabelo (alopecia) não parece ser um efeito colateral comum, mas costuma ser discutida como se fosse. Os estudos sugerem que a queda excessiva de cabelo é mais prevalente em indivíduos com predisposição hereditária à alopecia androgenética, não estando diretamente ligada ao uso de anabolizantes.

A ginecomastia, um aumento benigno do tecido glandular mamário nos homens, resulta de um desequilíbrio nos níveis de estrógenos e andrógenos, ou de um aumento da sensibilidade do tecido glandular aos níveis circulantes de estrógenos. Ela é uma consequência comum do uso de anabolizantes, afetando até 37% dos usuários.

Em homens, o aumento da produção de estrogênios ocorre principalmente através da aromatização da testosterona circulante. Muitos usuários de anabolizantes utilizam anti-estrógenos (moduladores seletivos de receptores estrogênicos como o tamoxifeno e o clomifeno; ou inibidores não-esteroidais da aromatase, como o anastrozol) para minimizar a aromatização e estimular a produção de testosterona. Uma vez diagnosticado com ginecomastia, frequentemente a correção cirúrgica do problema é o único tratamento eficaz.

Alterações na libido parecem ser o efeito colateral mais comum, acometendo aproximadamente 61% dos usuários: os anabolizantes podem produzir hipogonadismo, derrubando os níveis de testosterona endógena, reduzindo o apetite e o desempenho sexual. Novamente, com a interrupção do uso e o retorno dos níveis de testosterona à normalidade, estes efeitos tendem a desaparecer.

Entre as mulheres, as preocupações com uso de anabolizantes são bem diferentes daquelas em relação aos homens. Podem ser observados: tom de voz mais grave, aumento do tamanho do clitóris, diminuição do volume das mamas, alterações no ciclo menstrual, crescimento exagerado de pelos e perda de cabelo com padrão de alopecia masculina.

Esses sintomas são mais comuns em atletas do sexo feminino que estão auto-aplicando esteroides. Ao contrário do que ocorre com os homens, estes efeitos colaterais podem não ser transitórios, persistindo mesmo com a interrupção do uso.

Como observado anteriormente, os problemas de saúde associados ao uso de esteroides no curto prazo costumam ser temporários e mais comuns em indivíduos com certas pré-disposições genéticas. É o uso contínuo ou prolongado que suscita uma preocupação maior.

Infelizmente, neste sentido, os dados científicos são bastante limitados. Em um estudo, os pesquisadores administraram anabolizantes em camundongos empregando doses relativas tipicamente utilizadas por fisiculturistas. A duração do tratamento foi 1/5 da expectativa de vida dos animais – um período de tempo relativamente maior que aquele experimentado pela maioria dos atletas que auto-aplicam a substância. Os resultados mostraram uma diminuição do tempo de vida dos camundongos em decorrência de alterações no fígado, nos rins e no coração.

Em um estudo finlandês envolvendo levantadores de peso, os pesquisadores avaliaram 62 atletas que haviam ficado entre os 5 melhores de suas categorias nos anos de 1977 a 1982. Durante os 12 anos de acompanhamento, o índice de mortalidade foi de 12,1% – em comparação a 3,1% na população controle. Os investigadores concluíram que isto era uma prova inequívoca dos efeitos deletérios do uso de anabolizantes no longo prazo. Será?

ENTÃO ANABOLIZANTES SÃO ACEITÁVEIS?

A eficácia dos anabolizantes em melhorar a força e a massa muscular é inquestionável. A discussão é em qual cenário essas substâncias podem ser empregadas com segurança.

Vários estudos mostraram benefícios no uso de esteroides em pacientes com AIDS, em hemodiálise, com doença pulmonar obstrutiva crônica, em recuperação de infarto cardíaco e contusões musculares.

Apesar de a comunidade médica ter uma abordagem geralmente conservadora e obscurantista em relação ao uso de anabolizantes, os conhecimentos adquiridos até aqui indicam uma vasta gama de efeitos positivos dos esteroides em certos indivíduos.

O uso de anabolizantes continua alto entre atletas profissionais e amadores, mas a ciência apenas começou a arranhar a superfície da realidade dessas substâncias. Aquiescer com o uso de esteroides na base de tentativa e erro é uma conduta no mínimo irresponsável.

Ao examinar os problemas médicos relacionados ao consumo de anabolizantes, as evidências indicam que a maioria destes efeitos colaterais é temporária. Poucos estudos foram capazes de associar diretamente essas substâncias aos efeitos colaterais que lhe são classicamente imputados.

O monitoramento médico é crítico para qualquer pessoa em uso de esteroides. Infelizmente, poucos se dispõem a acompanhar esses casos por um único motivo torpe: eles o fazem baseados na mais pura incompreensão.

Para manter a credibilidade, seria importante que profissionais de saúde se mantivessem atualizados sobre os avanços científicos nesta área, oferecendo orientação sobre meios alternativos para ganho de força e massa muscular, acompanhando criteriosamente os usuários e educando sobre os riscos potenciais dos anabolizantes.

É hora de priorizar a ciência verdadeira no lugar das ilusões derivadas de nossos preconceitos sem fundamentos. Afinal, temos mais a temer da ignorância que do conhecimento.

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