Perceber e julgar os traços de personalidade de outras pessoas é um componente essencial do convívio social. Utilizamos esses julgamentos para tomar decisões do dia a dia e para fazer planos de longo prazo. É a partir deste arbítrio que escolhemos quem será um amigo ou um relacionamento, em quem confiar, quem contratar para um emprego, ou em quem votar nas próximas eleições. Quanto melhor o julgamento, melhor a decisão.
Até aqui, várias pesquisas indicaram que somos relativamente bons ao julgar as personalidades uns dos outros: mesmo completos estranhos podem emitir um julgamento bem correto após assistir um vídeo curto apresentando uma amostra de comportamento de outra pessoa.
Apesar de tipicamente acreditarmos que a percepção da personalidade de outra pessoa é uma habilidade cognitivo-social exclusiva do cérebro humano, avanços recentes em modelos estatísticos informatizados comprovaram que é possível emitir julgamentos bem exatos empregando conjuntos de regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos. Neste século XXI, os Algoritmos tomaram definitivamente o lugar daquela cigana com sua bola de cristal: eles são mais frios, mais meticulosos, e mais incomodamente impessoais e certeiros que um sniper.
Em 2014, cientistas do Departamento de Psicologia Universidade de Cambridge (Inglaterra) e do Departamento de Ciências da Computação de Stanford (EUA) compararam a acurácia do julgamento de personalidade emitido por seres humanos com aquele produzido por computadores.
Utilizando uma multidão de 86.220 voluntários – que preencheram um questionário de 100 perguntas sobre personalidade -, os pesquisadores Wu Youyoua, Michal Kosinskib e David Stillwella avaliaram os rastros digitais dos participantes (curtidas no Facebook, por exemplo), e descobriram que o julgamento de personalidade emitido por um algoritmo computacional é capaz de ser mais exato e válido que julgamentos emitidos por pessoas próximas ou íntimas de um determinado indivíduo. Basicamente, provaram que a personalidade de uma pessoa pode ser descrita e especificada automaticamente a partir de equações matemáticas, sem envolver qualquer habilidade humana cognitiva ou social.
Antes de você torcer o nariz para isso, respeite a solidez dos resultados produzidos a partir de um método científico bem desenhado e, neste caso, tente ainda manter a serenidade ao lidar com as implicações da pesquisa conduzida por Youyoua, Kosinskib & Stillwella: o conhecimento exato da personalidade de uma pessoa (ou de várias pessoas) pode ser obtido sem seu consentimento e então utilizado para manipulá-la e influenciá-la sem que ela saiba.
Utilizando algoritmos computacionais, o governo, seu provedor de internet, seu navegador, sua rede social e até seu mecanismo de busca predileto podem aferir as características de sua personalidade com mais fidedignidade que seus familiares mais íntimos. E isso não é delírio ou ficção científica.
Na verdade, isto esta acontecendo bem agora, neste exato momento.
Bem vindo a 1984.