A MULHER-HERA

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Hera, conhecida pelos romanos como Juno, era a deusa do casamento. Esposa de Zeus, o deus supremo do Olimpo, seu nome é o feminino em grego para a palavra Herói.

Considerada a Grande Nutriz, de seu seio nasceu a Via Láctea. O culto a Hera precede o culto a Zeus, e sua personalidade mitológica guardava dois aspectos conflitantes: era venerada nos rituais como a poderosa deusa do casamento, mas também foi descrita por Homero como uma mulher vingativa, invejosa e barraqueira.

HERA: O PODER DO VÍNCULO

Filha de Rea e Cronos, Hera foi devorada por seu pai ao nascer. Ao escapar do cativeiro em Cronos, ela já era uma jovem e bela mulher, e foi colocada sob o cuidado de deidades adotivas.

Quando Zeus conquistou Cronos, derrotou os Titãs e se tornou o deus dos deuses, ele rapidamente ficou atraído pela beleza de Hera. Para atrair a atenção da jovem, ele se transformou em um pequeno pássaro. Condoída da frágil ave, que tremia de frio, Hera a tomou nos braços e segurou-a junto ao seio. Zeus então se desfez do disfarce, reassumindo sua forma máscula, e tentou possuir Hera à força – sem sucesso. Hera resistiu ao assédio de Zeus até que ele prometesse casar-se com ela. A lua de mel que sucedeu ao matrimônio durou 300 anos.

Terminado o período de núpcias, Zeus retomou seus hábitos promíscuos. A cada nova infidelidade do esposo, Hera se tornava mais e mais ciumenta e vingativa. Contudo, sua ira não era direcionada ao marido, mas às suas outras mulheres, às crianças frutos desses relacionamentos ou a qualquer testemunha inocente dos fatos.

O comportamento desleal de Zeus desonrava a instituição do casamento, que Hera considerava sagrado. O clímax da humilhação ocorreu quando Zeus deu luz a Atenas, demonstrando claramente que ele sequer precisava da esposa para ter filhos. Como troco por esta afronta, Hera concebeu Hefesto, um filho sem pai. Todavia, ao contrário da perfeita Atena, Hefesto nasceu com os pés tortos e foi rejeitado pela mãe, que o expulsou do monte Olimpo.

O arquétipo Hera manifesta a capacidade de estabelecer vínculos, de ser leal e fiel, de resistir a todas as dificuldades em prol do relacionamento. Sem o componente Hera, uma mulher tende a passar por uma série de relacionamentos curtos, terminando e seguindo em frente sempre que as dificuldades inevitáveis surgirem – ou quando o encantamento inicial diminuir. Ou ela pode casar-se com toda pompa e circunstância e, ainda assim, não se sentir conectada ao seu marido.

Hera não demonstrava publicamente sua raiva pelas infidelidades de Zeus. A dor que ela sofria por ser rejeitada e humilhada era canalizada de forma vingativa para as outras mulheres e para os filhos bastardos de seu marido. Em outras palavras: a mulher-Hera retira a culpa de seu marido – de quem ela é emocionalmente dependente – e a direciona para os outros. E ela reage com fúria e ações concretas, ao contrário das crises depressivas típicas das mulheres-Deméter e das mulheres-Perséfone. A vingança lhe traz de volta um senso de poder ao invés de rejeição.

DILEMAS, RELACIONAMENTO E SEXO

Mais do que qualquer outra deusa grega, Hera apresenta atributos marcadamente positivos e negativos – e isto se reflete no arquétipo.

O primeiro traço importante representa o desejo em ser uma esposa. A Mulher-Hera se sente profundamente incompleta sem um parceiro. O sofrimento que sente por não estar casada é comparável ao sofrimento de uma mulher-Deméter incapaz de ter filhos. A falta de um marido lhe causa dor, vergonha, solidão e um senso de inutilidade.

Muitas mulheres vivem as primeiras décadas de suas vidas como verdadeiras Afrodites (pulando de um relacionamento para outro), ou Perséfones (evitando comprometimentos), ou Ártemis e Atenas (focadas em seus objetivos). Então, em algum momento, o arquétipo Hera emerge com força.

Não raramente, a força do arquétipo a leva escolher o primeiro partido disponível – que nem sempre seria o melhor para elas. Sob a influência de hera, ela provavelmente desposará o primeiro homem respeitável que lhe propuser casamento, sem considerar qual opção seria melhor para ela mesma. O ideal seria aguardar um pouco para avaliar melhor as opções. Que tipo de caráter aquele homem tem? Qual o nível de maturidade emocional dele? Será que ele está pronto para um compromisso? Qual a importância que ele dá à fidelidade? Até que ponto eles são compatíveis? O que ela realmente sente pela pessoa que ele é? Estas são perguntas que uma mulher sob a influência instintiva do poder de Hera jamais faria, ainda que as respostas para estes questionamentos sejam determinantes para seu grau de satisfação no futuro.

A mulher-Hera anseia pelo prestígio, pelo respeito e pela honra que enxerga na instituição do casamento. Ela quer ser conhecida como a “Sra. Esposa do Fulano de Tal”. Ela não deseja apenas viver junto: ela quer o pacote completo, a entrada na igreja, a festa com muitos convidados, a mudança de nome, o reconhecimento público de sua união. A noiva-Hera se sente radiante, completa, absolutamente deslumbrada enquanto participa dos preparativos para o grande dia.

Algumas evidências sugerem que o arquétipo Hera não é uma criação da cultura patriarcal. Por exemplo, muitas mulheres homossexuais sentem a mesma urgência em encontrar uma parceira, a mesma necessidade de fidelidade, a mesma expectativa de complementação que virá por meio de sua alma-gêmea, o mesmo desejo premente por uma cerimônia que trará reconhecimento à união.

A mulher-Hera encontra felicidade em tornar seu homem o centro de sua vida. Todos que a conhecem sabem que, para ela, seu marido vem em primeiro lugar. Até seus filhos sabem disso: na vida de uma Hera, tudo é feito para o marido. As crianças, se houver, comerão depois que o pai se servir.

Sua sexualidade é completamente dependente do parceiro e ela tolerará o sexo mesmo quando não desejá-lo, por achar que fornecer sexo ao esposo é um dos deveres sagrados que lhe cabe. Não é raro para uma mulher-Hera não alcançar orgasmos no começo do casamento, e a mudança desse cenário dependerá da ativação do arquéticpo Afrodite ao longo da relação.

Fora do casamento, tudo é secundário. O trabalho é uma coisa que ela faz, não quem ela é. Se não conseguiu casar, ela contempla suas conquistas como insignificantes. Se estiver casada, sua carreira será sempre subordinada a do marido.

Amizades também não são consideradas relevantes, e uma Mulher-Hera em geral não possui uma “melhor amiga”. Ela prefere estar com seu marido e fazer tudo acompanhada dele. Se estiver solteira, as amizades serão vistas apenas como uma ponte para chegar até um bom partido. Assim que encontrar um homem para se relacionar, ela rapidamente colocará as amizades de solteira de lado. Após o matrimônio, suas amizades são quase todas superficiais e parte de uma mera sociabilização entre casais.

Os filhos ocorrem como uma consequência do papel de esposa. O instinto materno é tênue – a menos que pitadas de Deméter estejam presentes. Essencialmente, o arquétipo Hera não oferece aos filhos um senso de amor, proteção e intimidade, e as crianças tendem a crescer emocionalmente abandonadas pela mãe. Se tiver que escolher entre os filhos e o marido, ela escolherá sempre em benefício do marido.

A mulher-Hera será atraída por um homem competente, poderoso e bem sucedido, e projetará nele a expectativa de que ele irá completá-la. Em alguns casos, contudo, ela poderá mostrar-se particularmente suscetível à combinação original de Zeus na mitologia: um homem grande e poderoso que se parece com um pequeno e frágil pássaro. Muitos homens extremamente bem sucedidos no mundo tem, assim como Zeus, um elemento apelativo e emocionalmente imaturo que pode tocar o coração da mulher-Hera, seduzindo-a.

A imaturidade emocional deste homem será responsável por ele procurar variedade ao invés de profundidade nos seus relacionamentos com as mulheres, tendo casos extraconjugais que a mulher-Hera não irá tolerar. Mas ela preferirá não saber com certeza, preferindo acreditar na palavra dele – apenas para ser ferida novamente.

A MULHER-HERA E SEUS PAIS

Os pais de Hera, Cronos e Rea, são uma representação exagerada do que seria um casamento patriarcal: o marido é um homem poderoso e dominante que não aceita qualquer competição por parte de seus filhos, tampouco tolerará que sua mulher tenha qualquer outro interesse. Rea resiste passivamente, mantendo segredos e utilizando táticas de distração para ir tocando sua vida. A idealização do “pai-marido” como uma figura intocável e irrepreensível determinará o modo ideal como Hera considera que seu esposo deve ser tratado.

Por volta dos 4 ou 5 anos idade, a jovem Hera pode ser encontrada brincando de casinha e dizendo: “Você vai ser o pai e vai para o trabalho”. Em seguida, ela começa a preparar a refeição e colocar a mesa para quando o marido chegar em casa. Em contraste, uma jovem Deméter iria empurrar o carrinho de bebê e passaria horas enfeitando a criança, alimentando-a e colocando-a para dormir.

A Hera adolescente fica absolutamente satisfeita quanto está em um relacionamento firme. Ela procurará um jovem de alto status e iniciará um namoro sério, ostentando orgulhosamente no dedo o anel de compromisso dado pelo namorado, enquanto sonha com um grande casamento.

O namoro da adolescência pode virar um casamento precoce, mas geralmente finda junto com o término dessa etapa da vida. O desmoronar desse relacionamento costuma ser o grande primeiro baque emocional da jovem Hera.

HERA E OS HOMENS

A felicidade de uma mulher-Hera dependerá da devoção de seu marido a ela, da importância que ele der ao casamento, e de sua apreciação pela esposa que ela é. Todavia, Hera se sente atraída por homens bem sucedidos, que por sua vez costumam ser devotados ao trabalho. Exatamente por isso, ela poderá se encontrar infeliz a despeito de estar casada, mesmo que a infidelidade conjugal jamais ocorra. O casamento será pleno para uma mulher-Hera apenas quando a instituição do matrimônio for considerada igualmente importante pelo seu marido.

Um Homem-Zeus costuma utilizar o casamento como parte de sua faceta social. Ele se casou com alguém com um nível sócio-econômico igual ou superior ao dele. Alguém que possa ser apresentada orgulhosamente ao seu lado como sua consorte quando isto for requisitado. Este arranjo pode ser útil para ele, mas será um desastre para a mulher-Hera – que se sentirá ofendida por este comprometimento superficial. Ele estará sempre envolvido em assuntos de dinheiro e poder, e não compartilhará suas preocupações com ela. Consequentemente, ela sentirá um vácuo emocional dentro de si. Para compensar o vazio, a mulher-Hera se envolverá intensamente com várias atividades sociais, sempre preocupada em mostrar seu casamento como algo imaculado.

A despeito de sua insatisfação com o casamento, ela dificilmente optará pelo divórcio, resistindo até o último fio de esperança. Se porventura o marido propuser a separação, ela fingirá não entender. O casamento é uma experiência arquetípica para ela – na cabeça da mulher-Hera, ela será sempre a esposa. Mesmo após o divórcio, ela continuará se achando casada e sofrerá todas as vezes que lembrar que não é mais. Esta reação criará grandes problemas para os outros – e uma raiva profunda nela.

O arquétipo Hera é uma influência inegável na vida de muitas mulheres. A manifestação positiva de outras deusas oferece uma sensação de plenitude menor que a de Hera, mas elas também tendem a ser menos destrutivas em suas tendências negativas. A dificuldade em lidar com o arquétipo Hera está no seu imenso poder. Este arquétipo atua quase como uma força da natureza, intenso e avassalador.

Uma vez casada, a mulher-Hera irá construir toda sua vida dentro das exigências do papel de esposa e das necessidades de seu marido. Se ele precisar do suporte econômico dela enquanto termina os estudos, ela irá trabalhar para sustentar a casa. Se ele quiser uma esposa em tempo integral, ela largará faculdade ou deixará o emprego. Se ela estiver trabalhando, estará disposta a abandonar tudo e segui-lo para onde quer que ele tenha que ir. Frequentemente, ela não mantém as amizades que fez antes de conhecer seu marido.

Um homem que casa com uma mulher-Hera pode descobrir que, após o casamento, ela não é mais a mulher que ele conheceu. Antes de se vestir com a fantasia de esposa, ela possuía interesses mais amplos – até mesmo o sexo era melhor. A mudança na sexualidade não é incomum e pode ocorrer já na noite de núpcias.

A influência de todas as demais deusas pode diminuir dramaticamente quando uma mulher-Hera se casa, mas ela também pode florescer após o casamento. A noiva radiante pode se tornar uma esposa profundamente feliz. Se o marido for um Zeus devotado que a ama com sinceridade, o casamento será um paraíso.

O efeito Hera após o casamento dependerá da força do arquétipo e de quão bem desenvolvidas estavam as demais facetas da personalidade daquela mulher antes do contrair o matrimônio. O apoio do marido será crucial para que ela evolua para além de Hera. Maridos possessivos e ciumentos, que esperam que suas esposas abaixem a cabeça para todas as suas demandas, reduzirão a Mulher-Hera a apenas este arquétipo, e logo se tornarão eles mesmos insatisfeitos com o resultado.

Uma chaga importante de Hera está na frustração de suas expectativas: ela espera que, após o casamento, seu marido se torne um Zeus compreensivo, que ele entregue ao matrimônio toda a reverência que ela anseia. E o problema não está na reação do marido, mas nas complexas idealizações que ela construiu para ele – e que ele dificilmente se colocará à altura. Ela se tornará crítica com o comportamento dele, raivosa, impertinente, cobrando sempre um pouco mais de dedicação e empenho.

O arquétipo Hera torna a mulher tanto uma opressora quanto uma oprimida. Ela se sentirá um completo insucesso se não conseguir casar-se, ou se sentirá compelida a casar com qualquer um, até mesmo um marido ruim. Uma vez casada, ela dificilmente abandonará a relação, mesmo estando em profundo sofrimento. Ela se tornará uma mulher amarga pela incapacidade de seu marido em atingir as expectativas que ela tinha para ele. Ou poderá se tornar uma megera furiosa, destrutiva e ciumenta, caso seu marido seja infiel ou se ela sequer imaginar que ele o seja.

As Mulheres-Hera julgam e punem as outras mulheres, em geral excluindo-as e às suas crianças de seu convívio. Elas agem como árbitros-sociais e nutrem uma inimizade especial com as Mulheres-Afrodite. Sempre que podem, elas eliminam de campo todas as mulheres sensuais, divorciadas ou solteiras que possam ser atraentes para seu marido. Mas seu criticismo excessivo não se restringe à essas mulheres, e pode se extender para mães-solteiras ou mesmo mulheres vítimas de estupro. Para uma Mulher-Hera, o único papel realmente aceitável para uma mulher é o de esposa de um homem bem sucedido.

Reconhecer a influência de Hera e compreender suas susceptibilidades é o primeiro passo para evoluir para além deste arquétipo. Muitas mulheres podem olhar para seus relacionamentos anteriores e perceber, em retrospecto, o quanto se anularam quando estavam casadas.

Ainda que o casamento seja uma grande fonte de felicidade na vida de uma mulher-Hera, limitar-se a ser uma esposa significará limitar seu crescimento e sua capacidade de adaptar-se às mudanças que irão ocorrer ao longo do tempo. Tendo permitido que seu marido ditasse suas escolhas por anos a fio, a viuvez ou o divórcio podem ser devastadores. Contudo, se for capaz de reconhecer a influência de Hera, essa mulher retomará as rédeas e poderá cuidar de vários aspectos até então negligenciados de sua vida, enriquecendo sua existência sem necessariamente abrir mão do casamento.

Quando insegura, Hera é altamente suscetível a crises de ciúme. Ao menor sinal, ela suspeitará de infidelidade e reagirá de modo injustificado. Seu comportamento irá desgastar o casamento, confirmando seus receios. Ou, se ela de sorte, seu marido corresponderá de modo afetuoso, assegurando seu amor e lealdade.

Uma mulher-Hera terá sempre que decidir em quem confiar: em seu arquétipo interior ou no seu marido. Para crescer, ela precisará resistir à influência de Hera e terá que dar crédito ao marido – ao mesmo tempo em que desenvolve os aspectos positivos de todas as outras deusas que sempre carregou dentro si.

 

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Amplie seus estudos e leia mais sobre os Arquétipos Femininos:

1 – A Mulher-Atena

2 – A Mulher-Ártemis

3 – A Mulher-Afrodite

4 – A Mulher-Perséfone

5 – A Mulher-Deméter

6 – A Mulher-Hera

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