Vários hábitos e atitudes que achamos ser fruto do livre-arbítrio são, muitas vezes, construções pré-concebidas de comportamentos padronizados que exibimos inconscientemente. A este conjunto de ações condicionadas por lembranças da infância e memórias da idade adulta a psicologia chama de Arquétipos.
No excelente livro A Deusa Interior, os autores Jennifer Barker Woolger e Roger J. Woolger conduziram um maravilhoso estudo da psique feminina por meio de um grupo deusas gregas. Eles dividiram os arquétipos femininos em 6 deusas principais:
1 – A Mulher-Atena: regida pela deusa da sabedoria e da civilização, prima pela inteligência, cultura, educação, senso de justiça e ativismo político.
2 – A Mulher-Ártemis: regida pela deusa das selvas, é prática, atlética e aventureira. Ama a cultura física, a solidão, a vida ao ar livre e os animais.
3 – A Mulher-Afrodite: regida pela deusa do amor e voltada principalmente para relacionamentos humanos, sexualidade, intriga, romance, beleza e artes.
4 – A Mulher-Perséfone: regida pela deusa do mundo avernal, mediúnica e atraída pelo mundo espiritual, pelo oculto, pelas experiências místicas, pelo visionário e pelas questões ligadas à morte.
5 – A Mulher-Deméter: regida pela deusa das colheitas, é a verdadeira mãe-terra que gosta de estar grávida, de amamentar e cuidar de crianças, envolvida com todos os aspectos do nascimento e com os ciclos reprodutivos da mulher.
6 – A Mulher-Hera: regida pela deusa dos céus, se ocupa do casamento, da convivência com o homem e de questões ligadas ao poder.
Em um mundo ideal, a mulher plena possui um equilíbrio exato dessas 6 deusas. Todas as vezes que um dos Arquétipos se eleva e assume o comando sobre os demais, estabelece-se um destempero da feminilidade com prejuízo para todas as partes. O conhecimento desses processos será determinante para que você, Homem, navegue com tranquilidade até mesmo nos mares mais tempestuosos.
Ao longo desta nova série de artigos em ManhoodBrasil, iremos abordar cada um destes Arquétipos, suas origens, suas características peculiares e o modo como eles podem afetar sua convivência com o universo feminino. Boa leitura!
ATENA: A MULHER GUERREIRA NO MUNDO
Atena era uma deusa destacada por sua extroversão, praticidade, assertividade, racionalidade, autoridade e inteligência. Não por outro motivo, os gregos a viam como a “companheira de heróis”: ela era tão leal ao seu incansável espírito de luta quanto uma fonte generosa de inspiração e coesão.
Visto que Atena se acha capaz de resolver todas as coisas por si mesma, a ideia de depender (da maneira que for) de um homem lhe soa incompreensível. Mas a imagem de Atena esconde um paradoxo: apesar de sua força, de seu brilho e de sua independência, Atena é uma donzela vestindo uma armadura. Quanto mais energia ela dedica a desenvolver-se como alguém bem-resolvida no mundo graças à sua couraça protetora, mais ela tenta esconder sua vulnerabilidade de menina.
A MULHER-ATENA E SEUS PAIS
O mito grego diz que Atena nasceu da cabeça de Zeus, e por isso é praticamente impossível falar sobre Atena sem tratar de seu relacionamento com os pais e o mundo paternal. Mas essa não é uma tarefa fácil, pois a mulher-Atena se orgulha de ser independente das estruturas da sociedade patriarcal e tende a se sentir insultada com a simples ideia de que talvez traga dentro de si algo de um sistema tão degenerado.
Entretanto, se tentarmos examinar com isenção o arquétipo de Atenas, ficaremos impressionados com duas facetas distintamente masculinas de sua personalidade: o amor do pai e o amor dos heróis, que ela traz dentro de si como partes fundamentais de sua psicologia.
Entendidos simbólica e não literalmente, esses amores nos dizem muito a respeito dela: o pai representa seus esforços mais elevados em busca de realização intelectual e espiritual, o ideal que ela almeja em seu mundo, enquanto a essência “heroica” representa a maneira de agir pela qual ela procura atingir essa meta.
O que Atena esforça-se para aprender e imitar não é apenas o comportamento de seu pai biológico, por mais importante que possa ser o papel dele, mas sim o princípio paterno. É do “bom pai” arquetípico que ela busca ser filha, daquelas qualidades de Zeus que o rei dos deuses representava quando agia de maneira mais sublime: sabedoria, justiça, governança responsável, justo acolhimento, bondade, proteção, magnanimidade, orgulho natural e dignidade. Isso não significa negar que Atena possa ter uma admiração fortíssima por seu pai carnal; mas será algo incidental, não uma causa direta de seu idealismo.
Muitas mulheres-Atena nascem com um pai fraco ou inexistente, incapaz de lhes satisfazer as expectativas arquetípicas, mas tão grande é o anseio delas que tão logo o tempo se descortine em novos horizontes, elas se fixarão em algum pai cultural (Gandhi, Marx, Jesus…) ou em um pai matrimonial.
A última coisa que uma mulher-Atena deseja é parecer-se com a mãe, que para ela representa a insensatez da domesticidade. Depois de o ego que aspira ao heroísmo romper com a mãe e o lar, tornando-se capaz de atuar sozinho no mundo paternal, surge outro desafio, ainda mais difícil, uma situação que Jung identificou como a matança do pai.
A mulher-Atena poderá tomar a decisão de deixar um emprego seguro numa grande empresa, diminuir seus rendimentos e fazer concessões, aceitando um lugar dentro da hierarquia maior das coisas, ainda intelectualmente aberta e em contato com tudo, porém em termos de sua independência caminhando para tornar-se uma filha obsequiosa, obediente à organização ou ao sistema que incorpora valores que ela aprendeu a respeitar e possivelmente até acabe ajudando a criar.
Um modelo quase exemplar da carreira de Atena como filha obsequiosa é a enfermagem, em que a obediência a um modo paternal rigidamente autoritário é levada a extremos quase subservientes em troca de um bem-merecido respeito e um alto grau de responsabilidade. Outras profissões, como médica, advogada e empresária, são igualmente emblemáticas dessa incorporação conflituosa com o mundo patriarcal.
Evidentemente, o espírito revolucionário da mulher-Atena irá relacionar-se com os princípios paternos de modo bem radical. Teria ela tido um pai tirânico contra o qual se rebelou, ou um pai fraco que a desapontou? Frequentemente, é a possessividade inconsciente de um pai inseguro em relação à filha adolescente que abala a confiança dela para sair e enfrentar o mundo paternal.
Por mais que se sinta impelida para este enfrentamento, ela irá sentir-se contida pelos medos e ambivalências dele que traz dentro de si. Irá aperceber-se sufocada, presa e limitada por dúvidas pessoais que, afinal, são parte da constituição psíquica do pai, e não da sua. Sua frustração diante das cobranças e da falta de reconhecimento paterno será causa de muita raiva e ressentimento, não sendo difícil para ela projetar esses sentimentos de opressão, hipocrisia e autoritarismo arbitrário sobre o mundo paternal – e os homens – em geral.
O ponto fraco da mulher-Atena está na sua identificação inconsciente exclusiva com um único arquétipo, em detrimento ou negação pluralidade de sua feminilidade, levando a uma unilateralidade danosa e limitante.
Aquilo que Atena está mais distante e de que ela mais necessita é, justamente, a natural meiguice protetora da mãe, uma maior atenção às necessidades básicas do corpo e um amor incondicional. Ela sabe o que não quer, mas está completamente desnorteada quanto ao destino que escolheria para si.
DILEMAS, RELACIONAMENTO E SEXO
Atena esconde um conflito: uma tensão não resolvida entre seu exterior “duro” e aquela parte de si que permanece oculta e impossibilitada de se expressar – e isso se transforma em uma grande insegurança no que tange a encontrar sua identidade feminina integral. Atena enfatiza a relação com a vida de suas ideias, sacrificando no processo sua entrega ao seu corpo feminino.
Tudo que houver de meigo e mulheril em sua feminilidade de donzela permanecerá oculto por várias camadas de couraças protetoras – e, quase para ter certeza de que os homens entenderão a mensagem de “manter distância”, ela traz junto ao seu peitoral a cabeça esfolada da Medusa.
Atena ama o heroísmo e o sentimento de uma amizade fraternal intensa com a mesma veemência com que rejeita vínculos emocionais íntimos e qualquer forma de sexualidade submissa. Ela anseia nascer como uma mulher adulta já inteiramente amadurecida, capaz de lutar e criar num mundo dominado há tanto tempo pelos pais, e seu ego forte a torna tão briguenta, questionadora e combativa quanto os meninos. Atena adora discussões e palavras. Na realidade, adora ter sempre a última palavra.
A sexualidade da mulher-Atena tende a ser bastante espontânea e natural, mas é igualmente provável que mantenha uma certa inconsistência com seu próprio corpo. A despeito de todas as couraças que protegem seu ego, de sua afinidade com os homens e suas ideias libertárias, ela pode ser extremamente acanhada até adquirir mais experiência – esta é a “donzela” que ela carrega dentro de si.
A Atena pura, arquetipicamente falando, é uma virgem. Ela manterá sempre um grau de reserva em seu erotismo: tanto de sua libido foi dedicado à atividade mental e à extroversão que o corpo e as necessidades mais profundas dele receberam menos do que lhes seria devido.
O relacionamento de uma mulher-Atena será frequentemente tempestuoso enquanto ela não resolver o que realmente deseja da vida e não parar de descarregar suas incertezas e vulnerabilidades secretas (a “donzela sob a armadura”) sobre o companheiro. Ela irá digladiar-se com ele, competir com ele, e muitas vezes desprezá-lo por não ser tão rijo e obstinado quanto ela.
ATENA E OS HOMENS
No processo de afastamento profundo e frustrante das raízes de sua feminilidade, Atena encontra-se presa em um círculo vicioso cuja existência sua mente nega. Ela então acrescenta armas ao seu arsenal intelectual e passa a lançar farpas de retaliação a cada insulto, encontro ou mal-entendido que ameace seu sistema de crenças meticulosamente construídas.
Somente com as mais íntimas companheiras de armas é que chegará a se abrir, e mesmo então basicamente para concentrar-se no inimigo “lá fora” ou para solidarizar-se com as vítimas “dele”. Inconscientemente, a mulher-Atena ativa uma das imagens mais fortes e mais enigmáticas da iconografia da Atena mítica: a cabeça da Medusa, o ser monstruoso cuja pele envolvia o peitoral da deusa, apavorando e mantendo afastados todos os que dele ousassem se aproximar.
O que falta na psicologia da mulher-Atena é uma ferramenta para a transformação da “donzela” que permanece dentro de si. A consciência de Atena se adaptou tão bem às estruturas patriarcais e intelectuais prevalecentes do mundo moderno que a mulher-Atena incorporou os valores “tudo ou nada” e outras maneiras masculinas de estruturar o ego – e encontra sua feminilidade presa nessa limitação.
O uso excessivo da mente pode muitas vezes ser o principal mecanismo de defesa de Atena. Quando ferida, a mulher-Atena irá afugentar com selvageria todos aqueles que mais poderiam ajudá-la, pois não tem como desarmar suas defesas, retirar sua armadura e expor a essência nua e infinitamente sensível da donzela dentro de si.
Em suas chagas, a mulher-Atena se torna incapaz de ver que, na realidade, a meiguice e a vulnerabilidade seriam o portal de entrada para os aspectos perdidos de sua feminilidade, o ponto de encontro com as outras deusas com as quais perdeu contato.
Na medida em que a armadura as protege de seus próprios sentimentos femininos e de seu lado mais meigo, essas mulheres tendem a se alienar de sua própria criatividade, de estabelecer relacionamentos saudáveis com os homens e de viver com espontaneidade e vitalidade o momento presente.
Compreender as características de uma Mulher-Atena – e toda a amplitude de sua mentalidade evitante – facilita sobremaneira o seu convívio com ela. Derradeiramente, ela não está em luta contra você: está em conflito com sua própria desarmonia interna.
Por isso, se você for um Homem e estiver lidando com uma mulher-Atena como parceira – agora que sabe dimensionar as matizes desse arquétipo -, se verá diante de uma trifurcação bem simples na sua caminhada:
(1) OU segue em frente e a deixa para lidar sozinha com seus próprios demônios (que, no final das contas, são delas e não seus);
(2) OU aceita conviver com a feminilidade desequilibrada dela (prepare-se para um relacionamento absurdamente frustrante, desgastante e cansativo!);
(3) OU, havendo um reconhecimento honesto do arquétipo por parte dela, a conduz com elegância, ternura e firmeza para uma experiência mais plena da feminilidade que sempre habitou a donzela exuberante por debaixo da armadura.
Uma vez que você passou a conhecer as regras do jogo, responda: qual seria a sua escolha?
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Amplie seus estudos e leia mais sobre os Arquétipos Femininos:
1 – A Mulher-Atena
2 – A Mulher-Ártemis
5 – A Mulher-Deméter
6 – A Mulher-Hera