Se cada povo recebe o governo que merece, cada sociedade (e época) também tem as esquisitices que merece.
Por exemplo: nas cortes europeias da Idade Média, camponeses, brutos, miseráveis e escravos trabalhavam ao ar livre. A aristocracia preferia a mordomia reclusa de seus palácios e roupas de muitas rendas. Por isso, naqueles tempos, os nobres possuíam a pele tão branca que era possível ver o desenho azulado das veias sob a cútis. Ter a pele alva e o “sangue azul” era sinal de riqueza. Hoje, brancura excessiva chega a significar doença, e mostrar um certo bronzeado dá status: se você tem tempo para passar à toa sob o Sol, então leva uma vida mansa e, provavelmente, tem mais dinheiro que a maioria…
No Século XVI, na Itália, as mulheres pintavam não apenas os lábios, mas também os dentes. No Século XIX, a última moda eram cílios postiços feitos de pele de rato e espartilhos tão apertados que chegavam a fraturar costelas. Na mesma época, na França, os homens casados usavam mais perucas e cosméticos que suas esposas.
Passa o tempo, algumas bizarrices se vão, mas outras logo assumem o posto. Como disse: se cada época caracteriza-se por certos critérios de excentricidade, por que haveríamos de fazer diferente com a nossa?
O Século XX testemunhou o avanço tecnológico virar prosperidade na mesa. Apesar da fome continuar assolando os países que sempre passaram fome, de um modo geral, onde havia comida, esta passou a estar disponível em um volume maior do que jamais seríamos capazes de ingerir. O resultado? Uma epidemia de obesidade e mortes por doenças cardiovasculares que assolou os 1900.
UM VIÉS CIENTÍFICO
A resposta dos cientistas não tardaria, e eles logo encontraram uma saída: a prática de esportes. Exercícios físicos regulares melhoram o condicionamento cardiopulmonar e facilitam o controle dos quilos em excesso. Como não seria de surpreender, este conceito foi extrapolado exageradamente para as massas e presenciamos uma explosão de vida nas academias de ginástica e pistas de Cooper como não se via desde o período Cambriano. Todo mundo quer entrar em forma. Se não por vaidade, então por medo.
Mas até que ponto esporte é saúde? Temos tenistas jovens com quadris de senhoras osteoporóticas, jogadores de futebol com infartos fulminantes no início da carreira, triatletas que morrem afogados após colapsos, e um número infinito de lesões musculares, articulares e ligamentares em esportistas amadores e atletas de final de semana. Toda uma manada de gente catequizada sob o lema de que esporte é saúde.
Ver televisão não distende meu ombro. Caminhar pelo parque com minhas crianças não provoca desgaste coxo-femoral. Não tenho bursite por ler um livro ou desloco a coluna ao dormir até um pouco depois do horário.
A atividade física regular, moderada, entendida como uma caminhada de 40 minutos, 4 vezes na semana, é todo esporte que seu corpo precisa como remédio. Não gosta de caminhar? Então saia para dançar, pedalar ou nadar. E adicione um pouco de musculação e alongamento a partir dos 50 anos de idade: isso ajuda a manter ossos e articulações fortes e saudáveis. Para além destes limites, converse com seu médico ou preparador físico e vá pela diversão, pelo entretenimento não-competitivo.
ENCONTRANDO EQUILÍBRIO
É um equívoco propagar o esporte como uma ferramenta para saúde. Sua saúde depende de muito mais compromisso que jogar bola duas vezes por semana ou ir na academia de 8 às 9. Aprender a lidar com o estresse, ter um bom padrão de sono e seguir uma alimentação saudável são tão ou mais importantes que uma corrida ensandecida de 10 Km sobre a esteira.
Procurar a atividade física como um modo de manter o corpo dentro da beleza-padrão estampada nas revistas é outro erro comum e, porque não dizer, cômico. As modelos de capa parecem saídas de campos de concentração nazistas de tão caquéticas e não devem pesar mais que a própria revista. A beleza é sentir-se bem aos 30, 40, 50, 60 anos ou mais, e não buscar de modo esquizofrênico a aparência de uma anoréxica de 20 anos de idade quando você já passou da metade da ladeira.
Lembre-se que as grandes descobertas vieram de pessoas com tempo ocioso – vide Aristóteles, Newton e tantos outros citados pelo oceanógrafo Kendall Haven em “As 100 maiores descobertas científicas de todos os tempos” (320 páginas, Ediouro, 1ª Edição). Use seu tempo e energia de modo inteligente e produtivo. Ter um glúteo mais firme não fará seu futuro mais brilhante.
E se quer uma última dica, que tal investir suas energias procurando por uma preciosidade: o extraordinário livro do médico mineiro José Róiz, “Esporte Mata!” (178 páginas, Editora Casa Amarela, 1ª Edição).
Não, não estou ganhando comissão pela venda de livros. Mas uma boa leitura já vale por uma longa caminhada.