Quem nunca ouviu falar no tal do “Carpe Diem”? Desde o poema épico de Horácio, recomendando você colher o dia desde antes de Cristo, ao filme Sociedade dos Poetas Mortos – que popularizou o termo, cada vez mais levas e levas de gente fazem propaganda disso.
Particularmente, tenho um grande apreço e um grande desprezo por Carpe Diem. Se por um lado Viver O Dia dá a você a exata noção do presente que é o presente, ele também pode tirar todo e qualquer compromisso seu com os objetivos de longo prazo. Seguido à risca, ele paralisa. Ninguém plantaria uma árvore sequer se vivesse desse jeito…
William Osler (1849-1919), médico e cientista canadense, um verdadeiro mito dentro da medicina, foi capaz de enxergar o real valor do Carpe Diem. Em A Way of Life, uma palestra proferida na Universidade de Yale em 1914, Osler fez as seguintes recomendações aos seus alunos:
“Prezados estudantes,
todo homem deve ter uma filosofia de vida. Em pensamentos, palavras ou por escrito, ele deve trabalhar-se interna e inconscientemente para isso. Minha filosofia, que eu trago para vocês aqui hoje, não é estritamente doutrinária, moral ou religiosa, mas ao mesmo tempo é todas estas três coisas. É uma ideologia antiga e moderna, simples e útil.
A vida é um hábito, uma sucessão de ações que se tornam mais ou menos automáticas. A grande verdade, que se oculta sob todas as ações, musculares ou psíquicas, é o segredo dos ensinamentos de Aristóteles, para quem a formação dos hábitos era a base da excelência moral.
O modo de vida que eu aconselho é um hábito que deve ser adquirido gradualmente por meio de uma longa e persistente repetição. E a prática de viver apenas para o dia, para o trabalho e as tarefas do dia. Uma vida levada em compartimentos de 1 dia.
Os trabalhadores antigos eram contratados para um dia, e apenas para aquele dia recebiam seu pão e seu pagamento. Suas preocupações espirituais eram voltadas para o futuro mais além, e não se voltavam para ações. Eu recomendo uma versão literalmente inversa disso. Eu recomendo que vocês vivam cada dia como uma expressão de hábitos associadas a um profundo encantamento.
Os maiores contratempos da vida surgem da mania tola de manter o foco no antes e no depois. Da mesma maneira que um doente sofrendo de visão dupla devido a uma ação desigual dos músculos dos olhos acha mágico o alívio que percebe com o uso dos óculos adequados, o estudante ansioso encontra paz quando não tenta contemplar o passado ou vislumbrar o futuro.
Perder-se em contemplações do passado, com raríssimas exceções, é arriscar-se ao mesmo destino da esposa de Lot. Muitos homens perdem-se de seus rumos por insistirem em algum tipo exagerado de retro- ou introspecção. Os erros de ontem paralisam seus esforços para o hoje e as preocupações do passado assombram-no com ameaças de destruição, permitindo que o verme do Arrependimento devore o coração de sua vida. Assim como o apóstolo Paulo de Tarso, permita-se morrer diariamente. Isso garantirá a ressurreição de um novo homem a cada manhã, um novo homem que fará de cada novo dia o compêndio de uma vida.
O peso do amanhã, quando trazido para o fardo do presente e somado à carga do ontem, transforma-se no maior de todos os erros. Dizemos que a juventude herdará o futuro, mas estamos sempre postergando o futuro enquanto ele ri de nós, pois nada é tão certo quanto o dia de hoje. E mesmo no dia de hoje, quem pode dizer o que ele nos trará?
Olhe adiante, mas nunca tão longe quanto o horizonte, pois é lá que o perigo se esconde. A verdade não está lá. A felicidade também não. Tudo que há para além do horizonte são fraudes, mentiras, enganos, boatos e as esperanças vãs que decepcionaram uma geração depois da outra. Deslumbrados com as possibilidades do horizonte, os homens se tornaram descontentes com a felicidade e as verdades que se depositam aos seus pés.
O gasto inútil de energia, o estresse mental e toda sorte de preocupações nervosas tumultuam os passos do homem ansioso pelo futuro. Não proceda da mesma forma. Esforce-se para cultivar o hábito de viver em compartimentos de 1 dia. Não desanime: como qualquer outro hábito, este leva tempo para ser dominado, e o modo como você fará isso cabe apenas a você descobrir.
E para o dia de hoje? O que fazer primeiro? Seja seu próprio dono. Prepare-se para assumir o controle. Aceite o seu convite e coloque-se em sintonia com o finito. Extraia do dia a alegria de alguém que tem o senso da própria capacidade e trabalha de modo suave. Una-se ao conjunto das coisas animadas, profundamente feliz por estar vivo, contemple o Sol, a Natureza, a Vida, e tudo aquilo que lhe cabe conquistar e usufruir.
A humanidade, diz-se, está sempre avançando. Mas o Homem, este é sempre o mesmo. O amor, a esperança, o medo e a fé que compõem a humanidade, e as paixões elementares do coração humano, todos estes permanecem os mesmos. A existência quieta e plena vivida em compartimentos de 1 dia manterá sua alma em paz e certamente levará você a um lugar muito além dos seus limites”.
Nada poderia ser mais verdadeiro.
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