O MITO DO RENASCIMENTO DA ÁGUIA

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O Mito do Renascimento da Águia é o tipo de fábula que os pseudo-adultos pós-modernos adoram. Não vou perder tempo reescrevendo essa besteira aqui. O “mito” pode ser conferido em vários sites na internet (como este aqui). O tempo é seu, gaste-o como quiser. Acesse esse tipo de material por sua conta e risco.

O fato é que, no cerne da história, está a crença de que para viver por mais tempo a águia deve abrigar-se no alto de uma montanha erma e, lá, arrancar seu bico, e então suas garras, e então suas penas. O processo todo é extremamente doloroso e leva meses, mas, uma vez concluído, permite que a águia continue vivendo com grande saúde até os 70 anos de idade.

Para os que sofrem de carências emocionais, é um conto inspirador, e não raramente as pessoas o repetem como se fosse algo CIENTIFICAMENTE COMPROVADO. E isso é de moer os ovos.

“Ei, você sabia que as águias, quando fazem 40 anos, voam para um lugar ermo e…”, dizem os neo-motivados da atenção plena, enquanto meditam para conectar-se à energia quântica do Universo vibrando seus sete chakras védicos.

Bem, é o seguinte: descontada a cantilena com aconchego de pré-escola, quanto do “renascimento da águia” corresponde realmente à fisiologia e à ciência das águias?

Como a historinha em geral vem acompanhada da imagem de uma águia-de-cabeça-branca ou águia-careca (Haliaeetus leucocephalus), vamos considerar este animal como parâmetro:

A águia-careca, uma ave carnívora natural da América do Norte, é um belíssimo predador oportunista que se alimenta principalmente de peixes. O animal certamente é imponente, e não foi à toa que se tornou o símbolo nacional dos EUA.

O bico da H. leucocephalus se forma ainda no ovo, e permanece por toda a vida com sua curvatura típica, a menos que algo – um acidente ou o homem – interfira com ele. Arrancar o bico de uma águia-careca é o mesmo que condená-la à morte por inanição. Não existem dentistas de águia especialistas em próteses de queratina nas florestas do Canadá ou dos EUA: ainda que o bico voltasse a crescer depois de ter sido extraído, o tempo necessário para isso seria maior que o tempo que o animal levaria para falecer por inanição.

As garras da águia são duras e curvadas. Assim como o bico, são formadas por queratina. Sem garras, a águia não conseguiria manter-se equilibrada em galhos e rochas, tampouco capturar as presas que lhe servem de alimento. Arrancar suas próprias garras não seria um ato de renovação, mas um projeto de suicídio.

Apesar de as aves trocarem periodicamente de plumagem durante a idade adulta, este processo raramente ocorre de forma generalizada e cataclísmica. As penas caem e vão sendo repostas de maneira gradual e contínua. A águia-careca não é exatamente careca, e menos ainda depenada. E menos ainda depena a si mesma.

Como qualquer outro ser vivo, a águia-careca não usufrui do luxo de estender sua expectativa de vida para além dos limites normais para sua espécie. Não obstante a dieta saudável e a prática de exercícios físicos diários, a expectativa de vida média deste animal é de 15 anos na Natureza. O exemplar mais longevo documentado até aqui viveu 47 anos, em cativeiro. Uma águia-careca de 70 anos de idade está para a Biologia como o fóssil de um gnomo do Papai-Noel está para a Antropologia.

Apesar do mito do renascimento da águia ser muito bonito e inspirador, ele não passa de uma historieta do mesmo calibre de Peter Pan, Cinderela e Branca de Neve. Nada contra historietas, mas pelo amor do sangue de Odin: repetir fábulas assim como se fossem exemplos CIENTÍFICOS para sua abordagem de coaching motivacional é jogar qualquer chance de credibilidade pela janela.

Por isso, na próxima vez que alguém vier lhe falar sobre águias, bicos, garras, penas e renascimento, faça como a própria águia: voe para longe, para bem longe. Distanciar-se da ignorância voluntária é mais salutar para sua mente que alimentar-se da carniça da burrice coletiva. Sempre foi e sempre será.

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Referências:

National Geographic. Bald Eagle. Acessado em https://www.nationalgeographic.com/animals/birds/b/bald-eagle/

Martina S.Haliaeetus leucocephalus“.  Animal Diversity Web (2013). Acessado em https://animaldiversity.org/accounts/Haliaeetus_leucocephalus/

David A Buehler. Bald Eagle (Haliaeetus leucocephalus). In “The Birds of North America”. P. G. Rodewald (2000).

Lutmerding JA, Love AS. Longevity records of North American birds. Patuxent Wildlife Research Center (2015).

Sibley DA. The Sibley Guide to Birds. Alfred A. Knopf (2014).

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