STEVENSON E O DUALISMO DAS ESCOLHAS HUMANAS

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Robert Louis Stevenson nasceu na Escócia, em 1850. Filho de um engenheiro civil, foi pressionado pelo pai durante muitos anos a seguir a carreira paterna. Sem qualquer vocação para engenharia e dotado de uma saúde frágil, Stevenson conseguiu escapar deste fardo entrando para a faculdade de Direito em Edimburgo, onde descobriu seu gosto e talento para a literatura.

Aos 33 anos, publicou um de seus romances mais conhecidos: A Ilha do Tesouro. Foi nesse livro que pela primeira vez apareceu um mapa do tesouro, com uma arca cheia de ouro enterrada marcada com um grande X – uma imagem que se tornaria comum nesse tipo de história daí em diante. Mas a obra mais fantástica de Stevenson seria escrita três anos mais tarde…

Segundo o próprio Stevenson, em uma entrevista publicada no The New York Herald de 8/09/1887, a ideia para o livro teria vindo-lhe em um sonho, onde um médico descobria, por meio da química, uma maneira de dividir suas porções boa e má, ou civilizada e selvagem. “O Médico e o Monstro” (ou originalmente The Strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde), publicado em 1886, foi um imenso sucesso de vendas e rapidamente se tornou um clássico, inserindo Robert Stevenson no seleto grupo dos grandes escritores da literatura universal. 

Na obra, Stevenson narra as experiências de um médico (Dr. Jekyll) que, numa “noite maldita”, tomou uma poção fumegante de coloração avermelhada e descobriu “a dualidade absoluta e primordial do homem”, transformando-se em uma criatura sem escrúpulos ou senso de culpa (Mr. Hyde). No início, Jekyll se deleitava com a liberdade moral que tal ser possuía, mas, com o tempo, foi perdendo o controle sobre as transformações. 

Com sua história de suspense e horror, Stevenson descreveu com detalhes angustiantes o conceito de que o perigo iminente não está do lado de fora, mas do lado de dentro, na parte obscura de nossa “alma”. 

O Médico e o Monstro” retomou, com grande refinamento, o velho mito do duplo dentro da unidade, retratado na filosofia grega pelo dualismo Corpo-Alma de Platão, na história bíblica de Caim e Abel, e na religiosidade Maniqueísta do profeta persa Manes, que prosperou no século III d.C.

Antes que Stevenson publicasse seu clássico, o dilema de “O Médico e o Monstro” foi precedido por “The private memoirs and confessions of a justified sinner” (1824), do escocês James Hogg; e em “A história maravilhosa de Peter Schlemihl” (1813), de Adelbert von Chamisso, entre outros. Mais tarde, o tema seria resgatado por Machado de Assis em “Esaú e Jacó” (1904), e por Freud em “O mal-estar na civilização” (1930). Na cultura popular, ele pode ser percebido com facilidade em um personagem criado por Stan Lee e Jack Kirby e apresentado ao público em 1962: o incrível Hulk.

A grande sacada de Stevenson foi apresentar com todas as letras o modo como nossa natureza humana e a civilização que engendramos são fundamentadas em binarismos: Ordem versus Caos, Força versus Paz, Alegria versus Tristeza, Conhecimento versus Instinto, Segurança versus Liberdade.

Cada um carrega dentro de si um pouco de médico e um pouco de louco. Um pouco de sabedoria e um pouco de insanidade. Somos essa mistura ambulante de Yins e Yangs, de Dias e Noites, sempre procurando um equilíbrio que existirá apenas na presença paradoxal de um pouco de desequilíbrio.

A “porção” mágica que nos faz ir de um extremo ao outro desse binarismo se chama Tempo. Eventualmente, o Tempo – e os discernimentos que fazemos dentro dele – nos transformará derradeiramente em Dr. Jekyll ou Mr. Hide.

Qualquer que seja seu destino, você tem estas duas opções à sua frente. Faça a escolha de sua fortuna com temperança e consciência. E nunca reclame do preço que ela irá cobrar.

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