UMA ANALOGIA ENTRE HOMOSSEXUALISMO E CANHOTOS

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Para compreender melhor como se processam os julgamentos Morais, as censuras e os preconceitos que emitimos com relação à homossexualidade – e todos os absurdos que os acompanham –, nenhuma analogia parece mais adequada que o mundo dos Canhotos.

Pessoas destras possuem o controle de suas funções motoras localizadas preferencialmente no hemisfério cerebral esquerdo, ao passo que pessoas canhotas possuem este controle preferencialmente no hemisfério cerebral direito. O domínio motor do hemisfério esquerdo na maioria dos humanos parece ser uma variação natural em nossa espécie: mais de 85% dos Homo sapiens são destros, ao passo que apenas 10-12% são essencialmente canhotos (os ambidestros representam apenas 1% da população). Mesmo no distante Paleolítico, os registros arqueológicos sugerem que pelo menos 90% dos humanos preferiam utilizar a mão direita para suas atividades do dia a dia. Assim como a sexualidade não-heteronormativa, o canhotismo é relativamente pouco prevalente e afeta mais homens que mulheres.

Durante uma parte considerável da história civilizacional conhecida, o canhotismo representou um sinal de pecado, fraqueza, má saúde e estados demoníacos. Até mesmo a palavra Latina para canhoto (sinistra manu) tem uma conotação óbvia da emoção despertada por esta característica. Na Idade Média, os canhotos – também denominados Sinistrômanos – procuravam manter sua peculiaridade em segredo com receio de serem acusados de bruxaria. Em pleno século XXI, este atributo continua sendo visto como um estigma digno de desconfiança por mais de 2/3 da população mundial: em muitos países islâmicos, em partes da África e na Índia, a mão esquerda é considerada a mão “suja”, considerando-se ofensivo oferecê-la para alguém, tanto para cumprimentos como para auxílio.

Assim como ocorre com a homossexualidade, a “preferência” por escrever e desenhar com a mão esquerda parece ser um traço hereditário: o embrião humano demonstra sua lateralidade motora por volta de 9ª semana de gestação, quando começa a exibir movimentos preferencialmente com um dos braços. A partir da 15ª semana, o feto exibe nítida preferência por sugar o polegar direito ou esquerdo, um comportamento relacionado à sua lateralidade destra ou canhota mais tarde.

Em termos estatísticos, um casal destro produz menos filhos canhotos que casais com qualquer outra combinação; e um casal canhoto produz cerca de 40% de filhos canhotos – a maior prevalência dentre todas as demais configurações reprodutivas. Existe uma maior prevalência de canhotismo em crianças de homens destros e mulheres canhotas que em crianças de homens canhotos e mulheres destras, sugerindo uma preponderância dos genes maternos na lateralidade motora. Gêmeos monozigóticos (idênticos) apresentam uma maior concordância de lateralidade que gêmeos dizigóticos – e esta concordância é maior que aquela que poderia ser esperada como efeito do acaso. A orientação destra ou canhota de crianças adotadas tende a corresponder mais àquela de seus pais biológicos que de seus pais adotivos. Quando reunimos todos estes dados, percebemos que hereditariedade tem um papel importantíssimo na lateralidade motora – exatamente como ocorre com a orientação sexual.

Seguindo na comparação entre Homossexualidade e Canhotismo, esbarramos no problema de que aproximadamente 18% dos gêmeos monozigóticos apresentam lateralidades motoras diferentes. De maneira análoga, 48% dos gêmeos monozigóticos apresentam preferências sexuais diferentes. Este grau de diferenciação na lateralidade sugere que fatores externos, como custos evolucionários e pressões socioculturais, influenciam se uma pessoa identifica-se como canhota ou destra – exatamente como ocorre com a identificação homossexual ou heterossexual.

Pesquisas realizadas na China desde a década de 1980 mostram que menos de 1% dos chineses são canhotos – um número extraordinariamente baixo contra a média mundial de 10-12%. A explicação para este fenômeno é bem simples: em uma sociedade tão Coletivista e Autoritária, as atitudes e as práticas são moldadas pelas forças dominantes que, como em qualquer lugar do mundo, é composta por destros. Assim, na China, os canhotos são submetidos a “tratamentos” para livrá-los do “problema”, e comer e escrever com a mão esquerda são consideradas práticas absolutamente incorretas. O mesmo ocorre em vários países no Norte e no Leste da África.

Em similitude, o homossexualismo é proibido em mais de 70 países, sendo punido com a morte no Sudão, no Irã, na Arábia Saudita, no Yêmen, na Mauritânia, no Afeganistão, no Paquistão, no Catar, nos Estados Árabes Unidos e em partes da Somália, Síria e Iraque. Mesmo nos países onde a homossexualidade não é ilegal, os casais homossexuais em geral não possuem os mesmos direitos que os casais heterossexuais. Talvez estas pressões discricionárias e todo o estresse que o estigma da homossexualidade ainda acarreta sejam responsáveis pelo fato de que, apesar de pessoas canhotas viverem menos ou apresentar mais problemas específicos de saúde que pessoas destras, os homossexuais vivem cerca de 20-30 anos menos que os heterossexuais.

Existem várias evidências sugerindo que os canhotos apresentam um processamento cognitivo mais bilateral que os destros: cerca de 97% dos destros apresentam a área motora da fala localizada exclusivamente no hemisfério esquerdo do cérebro – algo que ocorre em apenas 60% dos canhotos. Em 30% dos canhotos, a fala é controlada por ambos os hemisférios. Esta maior interconectividade pode responder pelo fato de os canhotos terem uma maior probabilidade de apresentar QIs acima de 131, serem músicos mais talentosos, em geral mais criativos, e apresentarem uma excepcional habilidade matemática. Curiosamente, pessoas que se identificam como homossexuais tendem a apresentar, em média, resultados melhores em testes de QI que pessoas que se identificam como heterossexuais – com exceção do subgrupo dos homossexuais que cometem crimes.

Até onde se sabe, não existem evidências conclusivas de que os prováveis genes que determinam o desenvolvimento o canhotismo estejam relacionados à predisposição de qualquer doença específica – e o mesmo pode ser dito com relação à homossexualidade. Se o ranking dos homossexuais famosos integra figuras conceituadas como Jodie Foster, Elton John, Ellen DeGeneres, Alan Turing, Oscar Wilde, Marcel Proust, Freddie Mercury e Alexandre, O Grande – entre outros –, a lista dos canhotos célebres não fica muito atrás, incluindo personalidades como Paul McCartney, Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Winston Churchill, Bill Gates, Henry Ford, Ronald Reagan e Barack Obama. No esporte, os representantes sinistrômanos incluem nomes como Babe Ruth, Diego Maradona, Lionel Messi, Rivelino, Nilton Santos, Gabriel Medina, Ayrton Senna, John McEnroe, Martina Navratilova, Héctor Camacho e Oscar De La Hoya. Vinte e cinco por cento dos astronautas do programa Apolo eram canhotos, e Leonardo Da Vinci e Michelangelo eram tanto canhotos como homossexuais.

Mesmo consideradas as evidências genéticas e biológicas, algumas pessoas insistem em afirmar que o homossexualismo é essencialmente errado, mostrando que o calvário de turbulências sociais historicamente percorrido por mulheres e negros – e canhotos – deverá ser percorrido pelo homossexualismo. Todavia, ao contrário dos dois anteriores, o homossexualismo não tem o bônus de ser considerado inato pelo julgo popular. Se descobríssemos que o homossexualismo possui um determinismo genético tão prevalente quanto a cor da sua pele, que a homossexualidade não é exatamente uma preferência, mas uma orientação biológica como o canhotismo, isso mudaria o modo como lidamos Moralmente com ela? Aparentemente, sim: vários estudos mostram que pessoas com atitudes positivas com relação à homossexualidade em geral que acreditam em uma origem biológica (orientação), ao passo que pessoas com atitudes negativas com relação à homossexualidade em geral acreditam que se trata de uma escolha pessoal (preferência).

Mas aqui surge um dilema: caso o fundamento hereditário para a homossexualidade seja comprovado e identificado, quando a engenharia genética avançar o suficiente para permitir terapia capaz de erradicar as configurações de DNA que determinam esta orientação, será que as polarizações emocionais voltarão a condenar os homossexuais? Seria Moralmente correto pais e mães solicitarem um teste de DNA para homossexualidade – ou canhotismo – nos embriões a serem implantados em clínicas de fertilidade? Nos países onde o aborto é legalizado, isto aumentaria a eliminação de bebês com estes traços? Ou teríamos leis dizendo ser um crime terminar uma gravidez caso os testes mostrem que o bebê possui “genes gays”?

Que me perdoem os sinistrômanos pelo trocadilho, mas, em tempos de Progressismos fúteis, Conservadorismos exacerbados, tradicionalismos teocráticos, adolescentes niilistas e adultos infantilizados, o Bom Senso humano vive dias realmente sinistros. Mas talvez a Ciência e a difusão do Conhecimento ofereçam uma salvação. Esperemos.

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