Seria aceitável que uma inteligência artificial explorasse os humanos e até os matassem para contemplar as necessidades de seus desejos? Se a sua resposta a isso é “Lógico que não!”, então por que é ético que os humanos explorem e matem porcos, por exemplo?
O fato é que os humanos gostam de pensar que usufruem de um status Moral superior e que o valor da vida humana é muito maior que o de porcos, elefantes ou lobos. A crença de que possuímos mente, consciência e uma alma eterna, ao passo que animais são apenas “corpos evanescentes”, constitui o pilar central de nossos sistemas legal, político e econômico.
Ainda que vários estudos minuciosos não tenham conseguido descobrir nenhum traço de alma em porcos, ratos ou macacos, as evidências contundentes de que os humanos possuem uma alma também é igual a zero. Por outro lado, testes iniciais em macacos e camundongos indicam que estes animais possuem pelo menos a assinatura de uma consciência em suas mentes.
Em 2012, especialistas em neurobiologia e ciências cognitivas reuniram-se na Universidade de Cambridge e assinaram a Declaração de Cambridge sobre a Consciência, segundo a qual “uma evidência convergente indica que animais não humanos possuem os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais”. Consequentemente, o peso desta evidência indica que os humanos não são os únicos capazes de gerar “consciência”. Animais não-humanos, incluindo todos os mamíferos e aves, além de muitas outras criaturas – inclusive polvos- possuem as ferramentas neurobiológicas para tanto.
Se, por um zelo científico, substituirmos “alma” por “Mente e Consciência”, o que acontecerá quando produzirmos uma Inteligência Artificial racional o suficiente para passar pelo Teste de Turing?
O Teste de Turing foi inventando em 1950 pelo matemático britânico Alan Turing, um dos pais da era da computação. O Teste consiste em comunicar-se simultaneamente com um computador e uma pessoa real, sem saber quem é quem o quê. Quando não conseguirmos mais estabelecer a diferença, seremos forçados a admitir que o computador tem uma mente – ou pelo menos é extremamente eficiente em imitar uma e criar relações emocionais conosco muito além de simplesmente demonstrar aptidões para matemática ou boa memória. Mas isso não seria uma prova definitiva, é claro: reconhecer a existência de uma consciência constituiu uma convenção mais social e legal que Moral e Lógica. Ainda assim, os desdobramentos disso seriam no mínimo incômodos – e, no máximo, absurdamente revolucionários.
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*Adaptado de Yuval Noah Harari. Homo Deus – uma breve história do amanhã. Ed. Companhia das Letras (2015)