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Sob o termo doenças cardiovasculares estão incluídas diversas moléstias, tais como insuficiência coronariana, hipertensão, miocardiopatia isquêmica e doenças cerebrovasculares (p.ex.: derrame).
Em conjunto, estas doenças são a causa número 1 de morte em todo o mundo, impondo um enorme fardo de custos sociais, perda da qualidade de vida e redução da atividade econômica, além de consumir um volume enorme dos recursos alocados pelos governos para assistência à saúde da população.
Qualquer ser humano adulto que se preze nutre uma preocupação legítima quanto a elas. Contudo, o foco sobre como tratar e evitar as doenças cardiovasculares tem sido persistentemente colocado no lugar errado.
UMA HISTÓRIA DE BOATOS BARULHENTOS
Desde as primeiras diretrizes nutricionais publicadas pela American Heart Association em 1961, autoridades de saúde vêm recomendando diminuições drásticas na ingestão de colesterol e nos níveis sanguíneos de colesterol considerados aceitáveis. Há um bom tempo, isso foi demonstrado ser uma inverdade.
Um grande número de revisões sistemáticas da literatura não foi capaz de demonstrar uma relação direta significativa entre o colesterol ingerido e a concentração de colesterol no sangue. Estudos como o Lipid Research Clinics Research Prevalence Study e o Framingham Heart Study mostraram que o colesterol na dieta não é um determinante para os níveis sanguíneos de colesterol ou para o risco de doenças cardiovasculares.
Sim, a redução dos níveis de sanguíneos de colesterol com uso de medicações (p.ex.: estatinas) é capaz de reduzir o risco de doenças cardiovasculares em cerca de 35% quando comparado a placebos, mas o exato significado do papel das estatinas nesse cenário ainda não foi bem compreendido.
Várias metanálises recentes têm questionado seriamente o papel das gorduras saturadas no desenvolvimento de doenças cardiovasculares – e você deveria colocar-se a par do que anda acontecendo nesse cenário.
COLESTEROL BAIXO É MAIS PERIGOSO
Em 2015, uma metanálise conduzida por pesquisadores ingleses e americanos e publicada examinou as evidências de testes clínicos controlados e randomizados com relação à associação entre gordura na dieta, colesterol sanguíneo e o desenvolvimento de doença coronariana.
Após avaliarem 2467 homens em 6 diferentes testes clínicos diferentes, descobriu-se que reduções nos níveis médios de colesterol sanguíneo não resultavam em diferenças significativas na incidência global de mortalidade – nem mesmo na mortalidade decorrente de doenças coronarianas. Isso coloca o papel hipolipemiante específico das estatinas em cheque. Talvez estas drogas exerçam seus efeitos protetores através de mecanismos anti-inflamatórios – que pouco ou nada teriam a ver com os níveis de colesterol no seu corpo.
Se o colesterol aumentado é o motor primordial das doenças cardiovasculares, por que a maioria dos pacientes vítimas de ataque cardíaco não apresenta níveis de colesterol que sugiram risco cardíaco? Um estudo conduzido pelo departamento de Cardiologia da UCLA mostrou que 75% dos pacientes hospitalizados com infarto agudo do miocárdio apresentam níveis de LDL abaixo de 100 mg/dL – o que é considerado dentro da faixa de segurança. Cerca de 17% dos pacientes com história de doença cardíaca apresentam níveis de LDL considerados excelentes (abaixo de 70 mg/dL).
Um estudo japonês concluiu que altos níveis de colesterol não são um fator de risco para mortalidade por doenças cardiovasculares – mas baixos níveis de colesterol relacionam-se a um risco aumentado.
Um estudo coreano de 2012 examinou o papel do colesterol na mortalidade por doenças cardiovasculares. Após avaliarem prospectivamente 12.740 participantes com idade média de 56 anos e índice de massa corporal médio de 24,2, os cientistas descobriram que as taxas de mortalidade eram maiores entre aqueles que apresentavam os menores níveis de colesterol no sangue.
Finalmente, um estudo multinacional publicado em junho de 2016 no British Medical Journal, investigou a associação inversa entre os níveis de colesterol LDL e a mortalidade em pessoas idosas. Após avaliarem sistematicamente 30 estudos clínicos, totalizando 68.094 pacientes idosos, os pesquisadores descobriram que a mortalidade por doenças cardiovasculares era maior entre os indivíduos com LDL mais baixo.
Todos estes resultados não são compatíveis com a crença generalizada de que o colesterol, particularmente a forma LDL, é essencialmente aterogênico. Uma vez que pessoas idosas com níveis elevados de LDL vivem tanto ou mais que aquelas com LDL baixo, não parece razoável continuar defendendo a validade da hipótese do colesterol como a raiz do mal de todas as doenças cardiovasculares.
E OS TRIGLICERÍDEOS?
Em 2011, a American Heart Association (AHA) publicou um artigo que resumia o consenso de duas pesquisas realizadas pelo National Institutes of Health (NIH) sobre o papel dos triglicerídeos no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Segundo o painel do NIH, pessoas com níveis sanguíneos elevados de triglicérides deveriam receber tratamento medicamentoso.
Por mais de 30 anos, os cientistas discutiram a influência direta dos triglicerídeos no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Nos EUA, houve inclusive uma campanha pública chamada Know Your Numbers para educar a população sobre a importância de saber seu nível de colesterol e triglicérides.
O posicionamento científico oficial da AHA afirma que os triglicerídeos não causam diretamente aterosclerose (formação de placas de gordura na parede das artérias), e não são responsáveis por infartos cardíacos ou derrames. Na verdade, essas substâncias são apenas indicadoras de um risco cardiovascular aumentado – mas não seu motivo.
MUDANÇA DE PARADIGMA
Os dados reunidos até aqui não evidenciam uma correlação entre o consumo de colesterol na dieta e o aumento do risco para doença coronariana. A ingestão de 2 ovos diariamente, por exemplo, não produz aumentos significativos nos níveis de colesterol LDL. Ingerir alimentos ricos em colesterol não resulta em maiores danos para a saúde, mas evitar estes alimentos pode resultar em deficiências nutricionais em seres humanos.
Ao eliminar de sua alimentação carnes e ovos (fontes de gorduras e proteínas), você passa a comer mais grãos, massas e vegetais ricos em amido (carboidratos) – e isto aumenta seu risco para obesidade, diabetes e doenças cardíacas, bem mais que o que seria de se esperar em uma dieta alternativa rica em gordura e colesterol.
Um dos grandes problemas com toda essa neurose contra o Colesterol é o fato de boa parte da ciência que o cerca ser baseada em estudos epidemiológicos – ou “observacionais” – onde os pesquisadores acompanham um grupo de pessoas por vários anos. Mesmo os estudos epidemiológicos mais rigorosos sofrem com limitações fundamentais: o melhor que eles são capazes de fazer é demonstrar uma associação, nunca um mecanismo direto de geração.
Dados epidemiológicos podem ser empregados para sugerir hipóteses, mas nunca para prová-las. Uma vez levantadas as hipóteses sobre as gorduras no seu sangue, as pesquisas subsequentes mostraram algo diametralmente oposta ao inicialmente presumido: diminuir o consumo de gorduras e colesterol pode fazer mal para sua saúde.
Ao invés de aceitar que as evidências disponíveis no passado eram insuficientes para fazer qualquer afirmação concreta, as autoridades simplesmente supervalorizaram a importância dos dados preliminares que tinham em mãos e produziram uma avalanche de orientações quase supersticiosas sobre colesterol e triglicérides.
As doenças cardiovasculares possuem etiologias multifatoriais e mudanças nos hábitos de vida formam a base de qualquer abordagem terapêutica séria nesse sentido. A noção de que a gordura presente na dieta determina os níveis sanguíneos de colesterol continua fazendo parte do senso comum, mas está equivocada. E combater apenas o colesterol no seu sangue é uma medida tão eficaz para evitar doenças cardiovasculares quanto pular sete ondinhas na virada do ano novo.
Se você quer demonstrar alguma consideração pelo seu corpo, faça o que sabe que deve ser feito: durma pelo menos 8h de sono por noite, fique dentro do seu peso ideal, não fume e pratique atividades físicas diariamente. Qualquer medida exclusivista que deixe em segundo plano o empenho disciplinado nessas 3 medidas não é “cuidado com a saúde”, é apenas uma desculpa preguiçosa para a asneira de sempre. Deixe o colesterol em paz.