TERAPIAS ALTERNATIVAS

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Sou obrigado a confessar: tenho restrições profundas quanto ao termo“medicina alternativa”.

Primeiro, porque Medicina é uma ciência. Pode não ser um primor de exatidão, mas, como toda ciência, busca insistentemente basear-se em evidências comprováveis e reproduzíveis. Em segundo lugar, porque o vocábulo alternativo virou um sinônimo obsequioso para embuste.

A identificação e análise dos fatos reais como padrão de valor definitivo para a construção do conhecimento atende pelo nome de Método Científico – uma abordagem formalizada por Francis Bacon em seu fascinante Novo Organum, publicado há quase 400 anos. Desde então, o Método exposto por Bacon produziu uma revolução no gnosticismo sincrético, empurrando definitivamente o pensamento para além da zona de conforto dos “achismos pessoais”, das “provas testemunhais anedóticas” e do “meu jeito de ver ou fazer as coisas”.

Em 1972, Archie Cochrane, um epidemiologista escocês, elevou o Método proposto por Bacon a uma nova categoria ao publicar um dos grandes marcos na história da medicina. Em seu livro Effectiveness and Efficiency: Random Reflections on Health Services, Archie defendeu o emprego de evidências estatisticamente fundamentadas como ferramenta avaliadora das condutas médicas. Com o tempo, esta prática foi sendo cada vez mais adotada e disseminada, levando à criação de centros de pesquisa de Medicina Baseada em Evidências (MBE) e de uma organização internacional chamada Cochrane Collaboration.

Por tudo isso, é uma afronta afirmar que existe algo como medicina alternativa, do mesmo modo que é enxovalhar a lógica dizer que existe algo como uma Geografia Alternativa ou uma Engenharia Alternativa ou uma Magistratura Alternativa. Medicina requer padrões de aplicabilidade assentados em comprovações sólidas. Adicionar o sobrenome “alternativo” a este descalabro sugere logo de cara: “não temos provas suficientes para isso”.

Sem evidências escrupulosas que lhe dê suporte, a argumentação a favor de um determinado artifício não se justifica apenas porque ele éalternativo. Que o chamem pelo nome devido: picaretagem, trapaça, vigarice, misticismo, religiosidade – ou um procedimento experimental, na melhor das hipóteses. Mas, em nenhum desses casos, um expediente alternativo deveria – ou poderia – ser rotulado de Medicina.

Chamar um tratamento qualquer de “medicina alternativa” lhe confere um significado que traz embutido em si todo um viés de probidade, de aplicação de métodos axiomáticos, de meta-análises e revisões sistemáticas da literatura, e de considerações éticas e morais, além da áurea de um escrutínio pormenorizado dos índices de eficácia, efetividade e segurança daquela abordagem.

Se algo considerado “medicina alternativa” possuísse evidências consistentes e honestas de sua irrefutabilidade, este algo poderia simplesmente abandonar o termo “alternativo” e passar a denominar-se Medicina. Mas, em não sendo este o caso, deveríamos ter a honradez de batizar os tratamentos alternativos pelo que eles de fato são: condutas de validade duvidosa baseadas em efeitos placebos questionáveis.

Eu sei, esperar por este nível de integridade é querer muito do mundo real e suas alucinações alternativas… Mas a ciência é uma dádiva tão maravilhosa para a humanidade! Quem sabe, um dia, nos tornemos decentes o suficiente para não distorcê-la mais com as torturas de nossas inseguranças infantis.

Até lá, os bons apreciadores do Novo Organum continuarão assistindo de camarote o relativismo alternativo investindo sua carnificina visceral sobre os notáveis conceitos propostos por Chochrane, Galileu, Newton, Jenner, Fleming… e na mesma fogueira da doutrina pseudocientífica continuarão sendo arremessados qualquer um e qualquer coisa que ouse ameaçar as crenças vigentes preferidas do momento com doses terapêuticas de Razão.

EXEMPLOS REAIS

Considerando que um tratamento alternativo é aquele não-embasado em evidências científicas incontestáveis, vamos explorar algumas condutas que podem ser consideradas alternativas e que talvez você não tenha investido um tempo para refletir a respeito:

1. Homeopatia. Desde os trabalhos de Archie Cochrane, a medicina vem empregando uma magnífica ferramenta de bom senso chamada MBE (ou Medicina Baseada em Evidências). A MBE utiliza coletâneas de estudos randomizados, duplo-cegos, multicêntricos e placebo-controlados, realizando revisões sistemáticas e meta-análises destes dados para produzir um corpo sólido de conclusões com eficácia comprovada.

E o que o acumulado das evidências científicas até aqui dizem em alto em bom som com respeito à Homeopatia? Os dados mostram que a homeopatia não produz qualquer efeito superior ao uso de placebos. Após décadas de pesquisas, não foi possível provar por A + B, sem a menor sombra de dúvida, de que a Homeopatia é eficaz. Na verdade, ela parece ser feita só de água, expectativas e fé.

2. Acupuntura. Acupuntura funciona? Não, não funciona. Simples assim – ainda que os fãs da pseudo-medicina baseada em Truques & Mágicas insistam no contrário. Se você discorda disso e acha que espetar agulhas na pele de alguém serve para alguma coisa nesse mundo além de produzir um efeito placebo, lanço um desafio: ao invés de ficar aí esperneando e bradando sua revolta vazia aos quatro ventos, levante suas próprias evidências científicas irrefutáveis e cole-as aqui.

Mas ATENÇÃO: “opinião pessoal” não é evidência científica, e provas testemunhais puntuais também não – essas últimas são boas apenas para formar júris, seitas e igrejas, mas não sustentam o bom e velho método científico.

Acupuntura não funciona, lamento informar. E papai noel também não existe. Ainda estou sumarizando uma revisão sistemática da literatura especializada sobre o bom velhinho de roupas vermelhas e prometo publicar o resultado dessa metanálise em breve. Mas, com relação à acupuntura, as evidências REAIS estão resumidas no link que acompanha este post. Espero que ilumine as suas ideias.

3. Orações. Em 2006, Dr. Herbert Benson, cardiologista e diretor do Instituto Médico Corpo e Mente, um órgão ligado ao Departamento de Medicina da Universidade de Harvard, conduziu um estudo monumental envolvendo 6 hospitais para avaliar o efeito da oração intercessória sobre a recuperação de 1802 pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica. Os resultados foram simples: nenhuma melhora foi observada. As orações não produziram qualquer vantagem

Ao longo das últimas décadas, foram conduzidos centenas de trabalhos avaliando se a fé e as orações seriam capazes de interferir nas leis naturais do mundo. Vários testes clínicos bem desenhados estudaram o papel da crença e, em todos os casos, o efeito encontrado foi – quando muito – o de um placebo consolador.

Praticamente todas as religiões estimulam a prática da oração. Orar é um excelente modo de meditação, um expediente cordial para demonstrar empatia por uma pessoa querida e pode representar um caminho sincero para o autoconhecimento. Contudo, não raramente, as religiões apresentam as orações como recursos mágicos capazes clamar pela misericórdia divina, produzindo milagres. E é nessa parte que começam os problemas.

Veja bem: o conforto oferecido pelas orações pode resultar em benefícios para o bem estar do paciente, mas nenhum profissional de saúde sério deve contar com a premissa de que o “criador do universo” poderá ser mecanicamente requisitado para intervir no sofrimento ou na saúde de seu paciente. Orar não elimina um câncer ou cura apendicites agudas – é o que as evidências científicas apontam e, se você acredita piamente no contrário a despeito dos fatos, lembre-se das palavras de Galileu: O objetivo da ciência não é abrir as portas da sabedoria infinita, mas estabelecer um limite para os equívocos infinitos.

MAS, SE VOCÊ QUISER MESMO INSISTIR NISSO…

Vamos supor que, depois disso tudo, você resolveu arriscar a partir para uma terapia alternativa. Tudo bem, o livre-arbítrio está aí para isso. Todavia, para não comprar gato por lebre e ser capaz de escolher um tratamento alternativo que não lhe cause maiores danos, verifique sempre estas regras de ouro:

1. TENHA UM DIAGNÓSTICO. Tenha um diagnóstico prévio. Afinal, você tem que saber o quê pretende tratar. Não confie em panaceias que propõem curar, com uma só garrafada,  ou com dez gotas mágicas desde unha encravada a espinhela caída, queda de cabelo, inchaços, dores diversas, impotência sexual, ansiedade e trazer de volta toda sua energia e bem estar geral. Tratamentos alternativos são condutas sem embasamento, e remédios naturais, ainda que funcionem de fato, continuam sendo remédios, não milagres. E possuem indicações, limitações e efeitos colaterais.

2. EVITE A AUTOMEDICAÇÃO. Nunca, em hipótese alguma, abandone por conta própria um tratamento tradicional por uma terapia complementar. E não caia na armadilha de que, se um tratamento alternativo foi bom para uma determinada pessoa, ele certamente será para você também. Não sei se você sabe, mas as pessoas não foram feitas em formas: somos diferentes uns dos outros. A solução para o seu problema pode não ser exatamente a mesma do seu vizinho.

3. DIFERENCIE PROFISSIONAL ALTERNATIVO DE AVENTUREIRO ALTERNATIVO.  Não se deixe seduzir pela aparente simplicidade de alguns medicamentos e técnicas alternativos, pois as interações com outros remédios podem causar problemas. É sempre recomendável que seu terapeuta alternativo tenha uma boa formação biomédica para saber o que fazer se alguma coisa correr errado. E lembre-se: a recomendação de um amigo pode ser a melhor referência, mas não deixe que seja a única.

4. ATENÇÃO COM A QUALIDADE DO QUE VOCÊ COMPRA E CONSOME. Ao comprar ingredientes naturais embalados, avalie se a embalagem está em boas condições e se o vendedor é digno de confiança. Se você mesmo estiver cultivando ou colhendo ervas medicinais, não colete plantas em locais onde se usa agrotóxico, à beira de rios poluídos ou junto a estradas. Plantas medicinais devem ser cultivadas com cuidado e em locais limpos, e os chás e infusões devem ser preparados preferencialmente em utensílios de louça, esmalte, porcelana ou vidro. Evite usar panelas e chaleiras de alumínio ou cobre. Faça o chá na quantidade certa que irá utilizar no momento: ele perde boa parte do seu valor medicinal nas primeiras 24h dia após o preparo, mesmo se conservado na geladeira.

5. AO BUSCAR INFORMAÇÕES, TOME CUIDADO COM A INTERNET. Você não está proibido(a) de procurar informações sobre o que é melhor para sua saúde, mas só porque algo apareceu na Internet não quer dizer que é verdade. A Internet tem de tudo um pouco. Sites com informações sobre Medicina Alternativa e que oferecem um determinado produto para venda devem ser colocados imediatamente sob suspeita. Lembre-se: eles não estão ali para lhe informar, mas apenas para lhe convencer a gastar algum dinheiro.

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